Os European Film Awards chegaram à sua 38.ª edição com uma lista de nomeações que revela, mais do que tendências, um verdadeiro retrato do cinema europeu contemporâneo: múltiplo, multilingue, politicamente atento, esteticamente ousado e, acima de tudo, impossível de reduzir a fronteiras. Este ano, o destaque maior recai sobre “Sentimental Value”, de Joachim Trier, que lidera com cinco nomeações e confirma aquilo que muitos vinham pressentindo: a nova fase do cineasta norueguês — mais íntima, mais madura, mais ferida — está a atrair todas as atenções.
Logo a seguir surge “Sirāt”, o filme de Oliver Laxe que reafirma a presença cada vez mais forte das cinematografias ibéricas no panorama europeu, e dois títulos que têm sido presença constante nos debates críticos do ano: “Sound of Falling”, da alemã Mascha Schilinski, e “It Was Just an Accident”, de Jafar Panahi — o último um caso singular, vindo de um cineasta que continua a fazer filmes contra todas as circunstâncias políticas.
Os vencedores serão anunciados a 17 de Janeiro, em Berlim, naquela que será inevitavelmente uma das noites mais politizadas e comentadas do cinema europeu.
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O domínio de “Sentimental Value” e a afirmação das novas vozes
O filme de Joachim Trier, produzido numa aliança entre Noruega, França, Dinamarca, Alemanha e Suécia, surge como o grande favorito. Não apenas acumula nomeações nas categorias principais — Filme, Realizador, Actor, Atriz e Argumento — como representa um tipo de cinema europeu que tem conquistado espaço entre a crítica e o público: emocional, preciso, aberto às contradições da vida moderna.
Não é um acaso que Trier e o seu colaborador de longa data, Eskil Vogt, voltem a ser destacados pela escrita. Em “Sentimental Value”, tudo aponta para o mesmo rigor que os tornou figuras centrais da nova vaga escandinava: personagens frágeis, diálogos limados e um conflito interno que nunca cede ao sentimentalismo fácil, apesar do título sugerir o contrário.
Também Stellan Skarsgård e Renate Reinsve surgem como nomeados, reforçando o impacto internacional do elenco.
“Sirāt” e a força das cinematografias periféricas
Se “Sentimental Value” confirma a presença dos países nórdicos, “Sirāt” representa algo distinto: um cinema europeu que olha para as suas margens geográficas e espirituais. Realizado por Oliver Laxe, o filme — produzido entre Espanha e França, com a chancela criativa de Pedro e Agustín Almodóvar — reúne quatro nomeações, incluindo Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Actor para Sergi López.
Laxe continua a trabalhar num território que lhe é típico: paisagens amplas, espiritualidade intensa, figuras solitárias que se movem entre o real e o metafísico. A nomeação conjunta de Santiago Fillol e Laxe para Melhor Argumento é também um sinal da força literária deste projecto.
Jafar Panahi regressa através do cinema
Depois de anos de proibições e limitações impostas pelo regime iraniano, Jafar Panahi volta a ser nomeado pelos European Film Awards com “It Was Just an Accident”, uma coprodução entre França, Irão e Luxemburgo. O filme, uma ficção que toca no documental, está nomeado para Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Argumento.
A presença de Panahi nesta lista tem algo de político — não por condescendência, mas porque a sua obra insiste em existir apesar de todos os obstáculos. Os EFA têm, de resto, tradição em reconhecer artistas que desafiam estruturas de poder, e esta nomeação é mais uma peça dessa história.
“Sound of Falling” e o regresso ao intimismo alemão
Com três nomeações, “Sound of Falling”, de Mascha Schilinski, junta-se ao topo das preferências. O cinema alemão, tantas vezes associado ao rigor formal e à contenção emocional, volta aqui a explorar temas de perda, identidade e fragilidade. A presença de Schilinski nas categorias de Realização e Argumento confirma uma tendência clara: esta década está repleta de novas realizadoras que ocupam o centro do panorama europeu.
As restantes categorias: um continente a várias vozes
Embora o foco recaia inevitavelmente nos filmes mais nomeados, a lista completa revela a riqueza e amplitude do cinema europeu. Obras que transitam entre o documentário, a animação e a ficção encontram-se lado a lado, numa paisagem que resiste a classificações simples.
Para destacar apenas alguns universos presentes:
Entre os nomeados a Melhor Filme encontramos:
- cinema de animação com forte componente autoral;
- documentários transcontinentais sobre crise, memória e resistência;
- ficções híbridas que cruzam géneros e desafiam estruturas narrativas.
Nas categorias de interpretação, sobressaem nomes consagrados como Mads Mikkelsen, Toni Servillo, Vicky Krieps e Leonie Benesch, ao lado de actores emergentes como Idan Weiss
Na secção de Documentário, surgem cineastas como Albert Serra e Andres Veiel, confirmando que o cinema europeu continua a explorar as fronteiras entre factos e imaginação com liberdade total.
E na Animação, a diversidade vai de produções francesas a coproduções bálticas, passando por uma sólida presença espanhola.
A categoria European Discovery – Prix FIPRESCI
Aqui encontramos algumas das vozes mais promissoras do continente, com filmes vindos da Eslovénia, Reino Unido, Turquia, Dinamarca e Polónia — uma selecção que antecipa quais serão, provavelmente, os nomes de que falaremos durante a próxima década.
A Europa continua a reinventar-se através do cinema
A lista de nomeações deste ano funciona como uma radiografia da vitalidade do cinema europeu: diversa, multiforme, politizada, aberta ao risco e, acima de tudo, profundamente humana.
Se “Sentimental Value”, “Sirāt”, “Sound of Falling” e “It Was Just an Accident” parecem liderar a corrida, o verdadeiro vencedor é o próprio continente — que, apesar dos seus conflitos, tensões e divergências, encontra no cinema um ponto de encontro, diálogo e memória.
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Dia 17 de Janeiro, em Berlim, saberemos quem leva as estatuetas para casa. Mas por agora, vale a pena celebrar aquilo que esta lista já representa: um continente que continua a pensar através da imagem, a sentir através da narrativa e a reinventar-se, filme após filme.























