“Being John Malkovich” (1999) é um dos filmes mais originais e bizarros da história do cinema, um marco na carreira do argumentista Charlie Kaufman e do realizador Spike Jonze. Contudo, poucos sabem que o próprio John Malkovich, a peça central desta narrativa surreal, resistiu fortemente à ideia de protagonizar o filme. Kaufman, com uma visão clara e irredutível, recusou-se a conceber o projeto sem Malkovich no papel principal, mesmo quando o próprio ator tentou convencer o realizador a escolher outra pessoa.
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A génese deste filme único começou quando Kaufman escreveu um argumento que se centrava num portal para a mente de John Malkovich, onde as pessoas podiam literalmente “ser” o ator durante alguns minutos. No entanto, a viagem até à sua concretização foi tudo menos simples. Kaufman nunca tinha considerado outro ator para o papel, mas várias ofertas de produção vinham com uma condição: trocar Malkovich por outro ator. Até o próprio Malkovich, ao ser abordado com o projeto, ofereceu-se para ajudar na produção e colaborar com Jonze, mas insistiu que um outro ator deveria desempenhar o papel de “John Malkovich”.
A resistência de Malkovich deveu-se ao desconforto de ver o seu nome no título e à ideia de ser eternamente associado a esta representação excêntrica de si próprio. Segundo Jonze, Malkovich sentia que, se o filme fosse um fracasso, a sua carreira poderia sofrer danos irreparáveis. Por outro lado, se o filme tivesse sucesso, ele ficaria para sempre ligado a esta versão absurda de si mesmo. De facto, esta foi uma preocupação recorrente entre Malkovich e o seu grupo de produção, que pensaram que um ator como Tom Cruise poderia ser uma escolha mais segura e comercial. Não por coincidência, o presidente da New Line Cinema, Robert Shaye, rejeitou o projeto com uma pergunta que ficou na história: “Porque raio não pode ser ‘Being Tom Cruise’?”
Apesar de todas estas barreiras, Kaufman manteve-se firme. Ele não tinha um plano B. A visão sempre foi clara para o argumentista: ou o filme era sobre John Malkovich, ou não havia filme. Este comprometimento com a sua visão artística acabou por ganhar a batalha e, após alguns anos de persuasão, Malkovich finalmente cedeu. O ator aceitou o desafio, abordando o papel como faria com qualquer outro personagem ficcional. Em entrevistas, Malkovich referiu que, embora interpretasse a si mesmo, tratou o papel como se fosse qualquer outra personagem, separando a realidade da ficção, com a única exceção de que o seu guarda-roupa no filme era de facto o seu guarda-roupa real.
A jornada até à luz verde para o projeto foi repleta de momentos inusitados. Kaufman recorda que, durante as negociações, foi informado pelos representantes de Malkovich que o ator vivia num apartamento numerado 7-1/2 em Manhattan, um detalhe que refletia diretamente a estranheza do enredo do filme, onde os personagens encontram um portal para a mente de Malkovich num andar de escritório igualmente peculiar, o 7½. Este pequeno detalhe quase fez com que os representantes de Malkovich suspeitassem que Kaufman fosse um stalker, tal era a coincidência.
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O filme acabaria por ser um sucesso tanto crítico quanto comercial, aplaudido pela sua originalidade e pela performance corajosa de John Malkovich. Olhando para trás, Spike Jonze admitiu não ter percebido na altura o quão ousada foi a decisão de Malkovich em aceitar o papel. Hoje, “Being John Malkovich” é lembrado como um exemplo brilhante de meta-cinema, onde a linha entre a realidade e a ficção é habilmente distorcida, e a coragem de Malkovich em representar esta versão distorcida de si mesmo é um dos principais motivos do seu sucesso.
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