“Bucha – Memória ou Esquecimento”: O Cinema Como Testemunho de Uma Tragédia Real

O filme de Stanislav Tiunov chega ao pequeno ecrã com a força de um relato que recusa suavizar a história.

Bucha – Memória ou Esquecimento”, realizado por Stanislav Tiunov, é um daqueles filmes que dispensam introduções longas. O título diz praticamente tudo: estamos perante um retrato cinematográfico de um dos episódios mais brutais da invasão russa da Ucrânia em 2022 — a ocupação da cidade de Bucha, cujo nome se tornou símbolo mundial de massacres e crimes de guerra.

O filme parte de acontecimentos reais e segue a perspectiva de Konstantin Gudauskas, um refugiado do Cazaquistão que, vivendo na Ucrânia, decidiu arriscar a vida para resgatar civis em zona ocupada. Entre Bucha, Hostomel e Vorzel, a câmara acompanha a tensão, o improviso e o desespero de quem tenta salvar vidas enquanto à sua volta o colapso é total. Tiunov filma com contenção, sem dramatizações excessivas, mas também sem proteger o espectador da violência que marcou aqueles dias.

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A ocupação de Bucha durou pouco mais de duas semanas, mas bastou esse período para deixar um cenário que correu o mundo: corpos nas ruas, relatos de tortura, execuções sumárias e civis abatidos enquanto tentavam fugir. O filme explora esse contexto sem recorrer ao choque fácil, preferindo uma abordagem directa que respeita a realidade sem transformá-la em espectáculo. A força do filme está nessa frieza: não há música a suavizar, não há artifícios a distrair — só a urgência humana de sobreviver e ajudar.

Tiunov mantém o foco na escala reduzida, no indivíduo, na decisão difícil que se toma num instante. Não tenta dar a última palavra sobre a guerra, nem ambiciona explicar o conflito. Procura antes preservar um fragmento de memória, numa narrativa onde a pergunta do título — recordar ou esquecer? — ganha uma dimensão muito concreta: ignorar o que aconteceu em Bucha seria permitir que a história se repetisse.

A interpretação de Gudauskas, mais do que heroica, é profundamente humana. O filme mostra o medo, a hesitação, a falta de certezas, sublinhando que actos extraordinários nascem muitas vezes de pessoas comuns colocadas em circunstâncias extremas. Essa honestidade é talvez o maior trunfo da obra: a recusa de criar super-heróis, preferindo mostrar vulnerabilidade, perda e esforço.

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Bucha – Memória ou Esquecimento” não é um filme de entretenimento — é um registo, um alerta e uma recordação necessária. Ao chegar ao Cinemundo, ganha uma nova vida fora das salas, alcançando um público mais amplo e trazendo de volta um tema que, apesar de recente, já luta contra o desgaste da atenção.

Alguns filmes convidam à reflexão. Este exige-a.

“2.000 Metros para Andriivka”: O Documentário Que Mostra a Guerra da Ucrânia Como Nunca a Viu

Depois do Óscar por 20 Dias em Mariupol, Mstyslav Chernov regressa com uma obra visceral, íntima e arrebatadora sobre o que significa resistir

🎥 O nome Mstyslav Chernov tornou-se sinónimo de coragem documental. Depois do aclamado 20 Dias em Mariupol, vencedor do Óscar, o jornalista e cineasta ucraniano regressa com 2.000 Metros para Andriivka, uma obra que transcende o relato jornalístico e mergulha num cinema de guerra onde a proximidade emocional e física ao conflito é absoluta.

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Estreado nos cinemas dos Estados Unidos, Reino Unido e Irlanda (e já com passagem pelo Festival de Sundance), o novo documentário é uma coprodução entre a Associated Press e a Frontline (da PBS), e propõe uma abordagem inédita à guerra na Ucrânia: ver a guerra como ela é sentida por quem a vive, metro a metro, disparo a disparo.


“Podem destruir uma aldeia, mas não conseguem destruir um símbolo”

O centro desta história não é Kiev, nem Kharkiv, nem Mariupol. É Andriivka, uma pequena aldeia no oblast de Donetsk, com apenas um acesso: uma floresta de dois quilómetros transformada em campo minado e palco de uma das batalhas mais sangrentas da contraofensiva ucraniana de 2023.

Chernov integrou a 3.ª Brigada de Assalto ucraniana para filmar de dentro a reconquista da aldeia — e encontrou ali algo maior do que uma simples posição estratégica: um símbolo.

“São apenas dois quilómetros. Mas nessa floresta está contida toda a guerra”, disse o realizador em entrevista à agência Lusa.

“Podem destruir uma aldeia, mas não conseguem destruir um símbolo.”


O documentário como arma e testemunho

Com imagens captadas por drones, câmaras de capacete, dispositivos portáteis e microfones colados à pele dos soldados, 2.000 Metros para Andriivka adopta uma linguagem estética próxima da ficção científica, mas com brutalidade real.

“Há momentos em que parece um filme de ficção científica… e depois vemos um soldado arrastar-se para uma trincheira com o braço rebentado e percebemos que estamos a ver a guerra em estado puro.”

Chernov e o colega Alex Babenko captaram o medo primitivo, o ruído dos drones, os torniquetes improvisados, os olhos de quem avança sem saber se volta. E ao mesmo tempo, registaram o poder da esperança: o desejo simples e devastador de voltar a içar a bandeira da Ucrânia num solo libertado.

“Os soldados sabem que a guerra moderna também se trava nos media. Hastear uma bandeira sem que ninguém veja… qual é o impacto? Eles queriam que fosse um símbolo de esperança.”


Quando a guerra chega a casa

A aldeia fica a menos de duas horas de Kharkiv, cidade natal de Chernov. O conflito não é uma ideia abstracta para o cineasta — é pessoal. As árvores onde filmou foram as mesmas onde brincou em criança com amigos. As explosões ecoam por ruas que conhece de memória.

“É como se estes homens estivessem a lutar pela minha infância, pelas minhas memórias e vida”, confessou.

“Cada metro conquistado naquela floresta significava algo maior do que território.”


Um cinema de combate — no campo e no ecrã

2.000 Metros para Andriivka não é um documentário tradicional. É um corpo de combate em forma de filme. É uma ode à resistência, à humanidade no meio do horror, e à importância de continuar a olhar, mesmo quando o mundo parece já ter virado a cara.

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A distribuição internacional está a cargo da Dogwoof, e o filme deverá chegar a mais salas europeias nas próximas semanas. Para quem acredita que o cinema pode ser mais do que entretenimento — pode ser memória, denúncia, arte e acto de guerra — esta é uma obra incontornável.

Soldado Ucraniano no Documentário ‘Timestamp’ Responde a Trump: “A Única Opção é Vencer Esta Guerra”

Boris Khovriak, soldado ucraniano e protagonista do documentário Timestamp, de Kateryna Gornostai, que está em competição no Festival de Berlim, afirmou que “a única opção é vencer esta guerra” em resposta aos comentários controversos do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o conflito.

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Durante a conferência de imprensa do filme em Berlim, Khovriak declarou: “A cada 100 anos, a Rússia tenta destruir a cultura ucraniana e o Estado ucraniano”. Acrescentou ainda que “a Federação Russa deve ser empurrada para lá das fronteiras reconhecidas internacionalmente; devemos defender a Ucrânia acima de tudo”.

Contexto das Declarações

Os comentários de Khovriak surgem após Trump ter chamado Volodymyr Zelensky de “dictador” e ter declarado que ele “deveria agir rápido” ou “não terá mais um país”, numa publicação na sua rede social Truth Social.

O Documentário ‘Timestamp’

Khovriak, que antes de ser chamado para o exército era professor, é uma das figuras centrais de Timestamp, um documentário que explora como a guerra afetou a vida de estudantes e professores na Ucrânia. O soldado compareceu à conferência de imprensa vestindo o uniforme militar.

Questionado sobre as suas emoções em relação ao filme, respondeu: “Não se trata das minhas emoções. É difícil expressá-las em palavras. Mas entendo que devemos defender a Ucrânia e o nosso sistema educacional contra a agressão russa. Independentemente do que aconteça, continuaremos a defender a Ucrânia e a proteger as nossas crianças.”

Apoio e Reconhecimento Internacional

Durante a conferência, o jornalista norte-americano Daniel Eagan dirigiu-se à equipa do filme: “Gostaria de pedir desculpa pelo meu país. Parte dos EUA apoia a Ucrânia, mas as pessoas erradas estão no poder. Agradeço-vos por este filme incrível que mostra por que motivo devemos apoiar o vosso país.”

A distribuição mundial de Timestamp está a cargo da empresa belga Best Friend Forever. O filme marca a segunda longa-metragem de Kateryna Gornostai, depois de Stop-Zemilia, que teve estreia na secção Generation da Berlinale 2021.

A produtora Olha Bregman revelou que espera que Zelensky compareça à estreia ucraniana do filme, numa data ainda por confirmar. “A Berlinale tem a primeira oportunidade de exibir este filme. É o primeiro filme ucraniano em competição no festival em mais de 28 anos.”

A realizadora Kateryna Gornostai esteve ausente da conferência de imprensa, uma vez que deu à luz há apenas dois dias. O editor e seu parceiro, Nikon Romanchenko, indicou que ela poderia ainda comparecer na estreia mundial do filme na mesma noite. “Espero que ela consiga assistir à estreia hoje, e que possamos trocar de lugar, e eu ficarei com o bebê”, comentou.

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A produtora Natalia Libet encerrou a conferência com uma mensagem de esperança: “Timestamp fala sobre o futuro. Ainda acreditamos que podemos ter um futuro feliz.”

“The Shards” de Masha Chernaya Vence o Grande Prémio do DocLisboa: Uma Perspectiva Íntima da Guerra na Ucrânia

O prestigiado Grande Prémio Cidade de Lisboa da 22.ª edição do festival de cinema DocLisboa foi atribuído ao filme “The Shards”, da realizadora russa Masha Chernaya. Esta obra, uma produção conjunta da Geórgia e da Alemanha, destacou-se na competição internacional do festival, abordando de forma inovadora e poética o impacto da guerra na Ucrânia. Para o júri do DocLisboa, o filme de Chernaya vai além da simples documentação de uma realidade trágica, ao buscar um sentido mais profundo através da “poética organizada das suas imagens”.

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“The Shards” retrata a trajetória de Masha, uma jovem russa que decide abandonar o seu país em 2022, no início do conflito ucraniano. A narrativa desenvolve-se como um diário fragmentado, onde a protagonista regista a sua nova realidade longe do país natal, recusando a violência e lidando com a perda de uma vida que nunca poderá recuperar. É através deste olhar íntimo e introspectivo que o filme capta o impacto da guerra, transformando a experiência pessoal de Masha num testemunho universal sobre os dilemas enfrentados por aqueles que se opõem à guerra.

Para Chernaya, a intenção não era apenas relatar os factos, mas também transmitir o desespero e a vulnerabilidade da protagonista, criando uma conexão emocional com o espectador. A escolha de um estilo visual fragmentado e sensível permite ao público experienciar o filme como uma colagem de memórias e emoções que refletem a desorientação e a dor de deixar para trás o seu lar e cultura.

Destaques e Prémios no DocLisboa

Além do prémio máximo atribuído a “The Shards”, a competição internacional do DocLisboa deste ano destacou outros filmes que se destacaram pela originalidade e profundidade emocional. Entre os premiados, incluem-se “Fire Supply” de Lucía Seles e “The Anchor” de Jen Debauche, ambos galardoados com o Prémio Cupra. “Fire Supply” foi elogiado como um “folhetim urbano cómico e triste” que explora a disfunção das grandes cidades modernas, enquanto “The Anchor”, protagonizado pela renomada atriz Charlotte Rampling, é uma viagem introspectiva pela alma de uma psicoterapeuta que revisita gravações de sessões com antigos pacientes. Este último foi ainda distinguido com o Prémio Revelação Canais TVCine, garantindo exibição televisiva em Portugal.

A competição portuguesa também trouxe ao público obras de grande valor cultural e social, com o Prémio MAX para melhor filme a ser atribuído a “O Palácio de Cidadãos” de Rui Pires, um retrato minucioso sobre a Assembleia da República. Em menção honrosa, “As noites ainda cheiram a pólvora”, de Inadelso Cossa, recebeu o Prémio Sociedade Portuguesa de Autores, enquanto “Estou aqui”, de Zsófia Paczolay e Dorian Rivière, foi distinguido com o Prémio Escola pela sua abordagem inovadora.

O Valor Cultural e Político do DocLisboa

O DocLisboa é conhecido pela sua curadoria criteriosa e pelo foco em temas sociais e políticos relevantes, com especial atenção para contextos de opressão, resistência e identidade. A escolha de filmes como “The Shards” reflete o compromisso do festival em destacar narrativas que exploram a humanidade em situações de crise. O evento, que se tornou um ponto de referência para o cinema documental, oferece uma plataforma importante para vozes emergentes e cineastas que abordam realidades complexas de forma criativa e reflexiva.

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A vitória de “The Shards” no DocLisboa representa um reconhecimento internacional à jovem realizadora Masha Chernaya e ao seu talento em transformar uma experiência pessoal de perda e exílio numa reflexão sobre a fragilidade e a resiliência humana perante a guerra. O filme, já aclamado pela crítica, poderá alcançar ainda mais audiências e consolidar o seu lugar como uma obra marcante no cinema documental contemporâneo.