Censura no Estado Novo: Como as Legendas de Filmes Foram Manipuladas em Portugal

Durante o Estado Novo, a censura cinematográfica ia muito além dos cortes evidentes na imagem. Uma nova investigação da Universidade de Coimbra revela que a manipulação das legendas foi uma arma subtil, mas eficaz, para controlar o que o público português via e compreendia nos filmes estrangeiros. Entre os alvos preferenciais dos censores estavam temas como sexualidade, resistência política e desobediência à autoridade.

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A tese de doutoramento, defendida por Katrin Pieper no final de 2024, analisou 13 filmes exibidos (ou proibidos) durante a ditadura, cobrindo diferentes géneros e décadas. O estudo revela que a censura incidia sobretudo em dois grandes temas: desobediência e poder (86 casos registados) e sexualidade (76 casos), com cortes e manipulações de legendas que mudavam completamente o significado das cenas.

Desobediência? Cortado. Sexo? Suavizado.

Se houvesse um conceito proibido no cinema do Estado Novo, seria a resistência à autoridade. O caso mais gritante foi o do filme This Land is Mine (1943), de Jean Renoir. A história segue um professor que, num território ocupado pelos nazis, defende a resistência e os direitos humanos. No final original, é capturado e morto pelos alemães. Mas a versão exibida em Portugal terminava antes, na sua libertação após um julgamento – um desfecho que eliminava toda a mensagem de sacrifício e luta contra a opressão.

Outro alvo preferencial da censura era a sexualidade. No caso de Sleeper (1973), de Woody Allen, foram registadas 40 manipulações só nas legendas. Algumas alterações chegam a ser cómicas:

❌ “Eu quero ter sexo contigo” → ✅ “Quero brincar contigo”

❌ “Fazer amor” → ✅ “Pequena aventura”

A estratégia não era apenas cortar cenas mais explícitas, mas suavizar qualquer referência à intimidade ou desejo.

O Caso “Pope Joan”: A Igreja Não se Brinca

A censura também era rigorosa quando o tema era a Igreja. Pope Joan (1972), um filme que sugeria que o celibato não era levado a sério no Vaticano, teve um corte particularmente engenhoso. A frase “mulher do Papa” foi transformada em “avó do Papa”, numa tentativa de suavizar a polêmica.

Como Funcionava a Censura nos Filmes?

O processo censório tinha várias etapas. Antes mesmo de um filme chegar aos ecrãs, as distribuidoras já praticavam autocensura, evitando importar títulos que sabiam que seriam proibidos. Depois, os filmes passavam pelo Secretariado Nacional de Informação (SNI), onde eram vistos por dois censores. Se não houvesse consenso, outro par de censores avaliava a obra até que uma decisão fosse tomada: aprovação total, cortes obrigatórios ou proibição absoluta.

As legendas eram entregues em papel, com cada linha numerada, permitindo ajustes minuciosos sem que o público percebesse a manipulação. Em muitos casos, os diálogos eram alterados, mas as cenas visuais mantinham-se, criando um desfasamento entre o que se via e o que se lia.

Um Estudo Inédito Sobre a Censura Silenciosa

Apesar de existirem várias investigações sobre a censura no cinema português, este estudo de Katrin Pieper é um dos primeiros a analisar a manipulação ideológica das legendas. Ao contrário dos cortes óbvios na imagem, a adulteração do texto era subtil e muitas vezes passava despercebida, mas tinha um impacto profundo na forma como os filmes eram interpretados.

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O estudo confirma aquilo que muitos suspeitavam: durante o Estado Novo, até a legenda de um simples “fazer amor” podia ser reescrita para manter o público na linha.

🎞️ E tu, conheces mais exemplos de censura no cinema português?

“Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar”: A Ficção Cinematográfica Sobre o Último Respiro do Estado Novo

José Filipe Costa estreia filme sobre os últimos dias de Salazar no Festival de Roterdão

O realizador José Filipe Costa estreia hoje Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Roterdão, levando ao grande ecrã uma narrativa ficcional que revisita um dos períodos mais enigmáticos da História recente de Portugal.

Este novo filme, protagonizado por Jorge MotaCatarina Avelar e Guilherme Filipe, mergulha nas últimas semanas de vida de António de Oliveira Salazar, que, após sofrer uma hemorragia cerebral em 1968, continuou a viver convencido de que ainda governava Portugal.

A longa-metragem parte de factos históricos documentados e de relatos do médico pessoal do ditador, construindo uma ficção que expõe os paradoxos do poder, a teatralização da autoridade e as sombras persistentes do regime fascistaque marcou o país até ao 25 de Abril de 1974.

Uma farsa política nos bastidores do poder

Em Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, assistimos ao período final da vida do ditador, confinado ao Palácio de São Bento, onde a sua governanta Maria de Jesus (interpretada por Catarina Avelar) e o médico pessoal Eduardo Coelho(Guilherme Filipe) mantêm uma farsa monumental: fazem Salazar acreditar que continua no comando da nação, mesmo quando Marcelo Caetano já ocupava o cargo de Presidente do Conselho.

Esta manipulação, que pode parecer absurda à primeira vista, ilustra como o poder se sustenta através da ilusão e da obediência cega. Segundo o próprio realizador, esta história representa “uma bolha claustrofóbica”, onde personagens servem um líder já incapaz de governar, mas ainda visto como uma figura paternalista e inquestionável.

Costa destaca que a ficção se baseia em “muita imaginação”, mas parte de documentos históricos reais, nomeadamente as notas do médico pessoal de Salazar, que apenas vieram a público depois da queda do regime.

O fascismo das pequenas coisas: um retrato ainda atual?

Mais do que um retrato do passado, José Filipe Costa pretende refletir sobre as marcas que o autoritarismo deixou na sociedade portuguesa. O realizador alerta para a existência de um “fascismo das pequenas coisas”, que se mantém vivo em muitas instituições e no modo como os portugueses se relacionam entre si.

“Há um salazarismo que prevalece nas instituições, na academia, nas empresas, nas repartições públicas, no modo como nos relacionamos com os outros; é uma memória que ainda cá está”, refere Costa.

O filme não pretende apenas reconstituir um episódio histórico, mas explorar como certas dinâmicas de submissão, culto de personalidade e conservadorismo ainda ecoam nos dias de hoje.

Roterdão acolhe a estreia mundial

Festival Internacional de Cinema de Roterdão recebe Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar na sua secção competitiva, com sessões programadas para os dias 4, 6 e 8 de fevereiro.

A escolha de um palco internacional para a estreia reflete o crescente interesse do cinema português em abordar a sua história recente com uma abordagem artística ousada. Filmes como Prazer, Camaradas! (2019) ou Linha Vermelha(2011), ambos de Costa, já haviam explorado temas como a Revolução dos Cravos e o conservadorismo social, e esta nova obra surge como um complemento essencial a essa reflexão cinematográfica.

Uma história que devia ser contada nas escolas

José Filipe Costa acredita que os últimos dias de Salazar deveriam ser um tema obrigatório no ensino secundário, para que as novas gerações compreendam melhor o culto de personalidade que envolveu o ditador.

“Diz-se que o fascismo português foi mais leve do que o italiano ou o alemão. Mas houve este pequeno fascismo insidioso, que se infiltrou no quotidiano e nas mentalidades”, alerta o realizador.

Com Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, o cinema português ganha mais um capítulo de revisitação crítica à História, mostrando que, mesmo após 50 anos do 25 de Abril, há questões que continuam a ser relevantes e urgentes.

O que esperar?

Se o filme seguir o padrão das obras anteriores de Costa, podemos esperar um drama psicológico denso, com uma abordagem cinematográfica que mistura realismo e simbolismo. A narrativa deve explorar os mecanismos de manipulação do poder, a decadência do autoritarismo e a inevitável erosão das figuras que parecem intocáveis.

Será um filme essencial para quem quer compreender não apenas o fim do Estado Novo, mas também as heranças invisíveis que persistem no presente.

E tu, vais querer ver este filme?

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Salatinas: Preservando a História de Coimbra através do Cinema

No coração da cidade de Coimbra, uma história de resiliência, memória e transformação urbana aguarda para ser contada. O documentário Salatinas surge como um projeto apaixonado, liderado por uma equipa dedicada de jornalistas, cineastas e músicos, empenhados em resgatar a memória de uma comunidade que marcou a história da cidade e de Portugal.

Entre os autores deste projeto encontra-se Rafael Vieira, um amigo de longa data arquiteto e jornalista, que, juntamente com os colegas Tiago Cerveira e Filipa Queiroz, tem trabalhado para dar vida a esta narrativa. O documentário visa homenagear os Salatinas, uma comunidade que viveu na Alta de Coimbra antes de ser desalojada durante a ditadura do Estado Novo, devido à demolição de centenas de edifícios históricos para a construção da Cidade Universitária.

Um Projeto que Resgata a Memória

Salatinas não é apenas um documentário; é um tributo às gentes de Coimbra e uma reflexão sobre a perda cultural que ocorreu com a demolição de uma parte significativa do seu núcleo histórico. Cerca de 3.000 pessoas foram deslocadas, e as suas histórias, tradições e quotidianos estão agora a ser preservados para que esta memória não se perca com o passar do tempo.

Desde 2023, a equipa tem recolhido depoimentos de sobreviventes, especialistas e habitantes locais, captando a essência de uma comunidade que ainda resiste no imaginário coletivo da cidade. Este trabalho tem sido feito com enorme dedicação, mas para ser concluído e alcançar o público, precisa de apoio financeiro.

Como Pode Ajudar?

A equipa lançou uma campanha de angariação de fundos através da plataforma PPL, convidando todos os amantes de cinema e cultura a contribuir para este importante projeto. Cada euro fará a diferença na concretização deste documentário, permitindo a finalização da pós-produção, a distribuição e, sobretudo, a exibição da obra em Portugal e além-fronteiras.

Contribua aqui: Campanha PPL do Salatinas

Por Que Apoiar o Salatinas?

1. Preservação da História Local: O documentário é uma oportunidade única para resgatar e documentar uma parte essencial da história de Coimbra.

2. Valorização da Cultura Portuguesa: Apoiar este projeto significa investir na preservação do património cultural do país.

3. Equipa de Excelência: Com nomes como Rafael Vieira, Tiago Cerveira e Filipa Queiroz, o projeto é liderado por profissionais premiados e reconhecidos pelas suas contribuições no jornalismo, cinema e documentarismo.

Uma Mensagem Pessoal de Rafael Vieira

Rafael Vieira, arquiteto e jornalista, partilha connosco a sua visão para o projeto:

“Estamos na última fase de angariação de fundos, de forma a alavancar a história que queremos contar. Cada contributo, por mais pequeno que seja, é uma grande ajuda para garantir que esta memória de Coimbra não se perca. Junte-se a nós e ajude a transformar esta ideia em realidade.”

O Clube de Cinema Apoia o Salatinas

No Clube de Cinema, acreditamos na força do cinema como ferramenta para preservar memórias e contar histórias que inspiram e educam. Por isso, convidamos os nossos leitores e seguidores a fazerem parte deste movimento. O Salatinas é mais do que um documentário – é uma ponte entre o passado e o futuro, um testemunho que merece ser visto e partilhado.

Contribua para o Salatinas e ajude a equipa a preservar a alma de Coimbra. Juntos, podemos transformar esta narrativa num marco para o cinema português e na valorização da nossa identidade cultural.

Pode seguir todas as novidades de Salatinas em : https://salatinas.wordpress.com