Christopher Nolan pode estar no mar com The Odyssey, mas quem anda a correr — literalmente — para redefinir a ficção científica distópica é Edgar Wright. O realizador britânico, mestre da energia cinética e dos filmes cheios de alma, está prestes a lançar a nova adaptação de The Running Man, e numa longa conversa revelou detalhes deliciosos sobre o processo, a colaboração inesperada com Stephen King, e até o motivo (bem-humorado e duplamente meta) para incluir Arnold Schwarzenegger numa espécie de cameo presidencial.
E tudo começou… com um tweet.
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Quando um tweet muda uma carreira
Em 2017, Wright respondeu a um tweet casual dizendo que The Running Man era o remake que mais gostaria de fazer. Era quase uma nota de fã, um comentário solto. Mas Simon Kinberg não se esqueceu.
Anos depois, quando a oportunidade surgiu, ofereceu-lhe o projeto.
Wright tinha lido o livro original — assinado por King sob o pseudónimo Richard Bachman — aos 14 anos. Estava proibido de ver o filme de 1987 nos cinemas britânicos (classificação para maiores de 18), e quando finalmente o viu, percebeu que quase nada do que o tinha fascinado no livro estava no ecrã. A semente ficou plantada: um dia, alguém teria de adaptar The Running Man “a sério”.
Agora, esse alguém é ele.

Stephen King: o pen pal improvável e o crítico mais temido
O detalhe delicioso é que Wright e King já tinham uma relação engraçada de “amigos por email”.
Tudo começou quando o escritor elogiou Shaun of the Dead — um elogio tão improvável que, para Wright, foi como ganhar um Óscar secreto.
Durante anos trocaram mensagens sobre… música.
Wright enviava-lhe vinis de aniversário, falavam sobre bandas psicadélicas, guitarras, rock alternativo. Quase nunca sobre cinema.
E, por isso mesmo, Wright evitava falar de The Running Man.
Se o filme não avançasse, não queria ser “o rapaz que grita lobo”.
Só quando a adaptação estava finalmente a ganhar forma é que enviou o email:
“Como provavelmente já sabes, estou a trabalhar em The Running Man desde 2022”, escreveu, entre risos.
King tinha de aprovar dois elementos cruciais:
- a escolha do actor principal,
- e alterações estruturais ao enredo.
Wright mandou-lhe um link privado de Hit Man, o filme que Glen Powell co-escreveu e protagoniza.
King viu — e aprovou imediatamente.
Quando finalmente assistiu ao filme, enviou a Wright um email com o assunto escrito em maiúsculas:
“WOW.”
E depois deixou o elogio que qualquer cineasta sonharia ouvir:
“É suficientemente fiel ao livro para deixar os fãs felizes, mas diferente o bastante para me entusiasmar.”
Schwarzenegger no dinheiro… e uma piscadela ao Demolition Man

Embora esta nova versão seja uma adaptação muito mais fiel ao livro do que o filme de 1987, Wright não quis ignorar os fãs do clássico de Arnie.
Assim, há um cameo subtil — mas brilhante:
no futuro distópico de Wright, existe uma nota de 100 dólares com o rosto do Presidente Schwarzenegger.
É ao mesmo tempo:
- uma homenagem ao filme de 1987,
- e um trocadilho cinéfilo com Demolition Man, onde se menciona que Arnold se tornou Presidente dos EUA.
É esse humor lateral, quase invisível, que separa Wright de tantos outros realizadores do género.
A versão de Wright: mais tensa, mais humana, mais King
Se o filme original transformava Ben Richards num herói musculado, Wright regressa às origens.
Nesta versão, Richards — interpretado por Glen Powell — é um homem comum, esmagado por um sistema corporativo distópico que controla a televisão, o dinheiro e até as narrativas públicas.
A história segue-o sempre na primeira pessoa, tal como o livro.
Não há cenas que ele não testemunhe, não há manipulação da perspectiva — o público acompanha-o tal como acompanha um competidor num reality show mortal.
É uma abordagem mais íntima, mais claustrofóbica, mais imersiva.
O toque Mission: Impossible
Há um detalhe delicioso que liga este projeto à saga Mission: Impossible:
Glen Powell, mal recebeu o papel, fez a mesma coisa que qualquer fã faria.
Ligou ao Tom Cruise.
Perguntou-lhe apenas isto:
“Como é que se corre bem para a câmara?”
É maravilhoso imaginar Tom Cruise a dar masterclasses de corrida cinematográfica — mas faz sentido. Powell queria fazer o máximo de acrobacias possível sem recorrer a duplos, e Wright abraçou essa filosofia.
Um filme sem rede de segurança
Wright revelou ainda que quase não teve sessões de teste com público. O filme foi montado numa corrida contra o tempo, com semanas de trabalho de 16 horas, sempre sem margem para falhas.
A equipa via o filme como um todo apenas ocasionalmente, em sessões internas no pequeno cinema ao lado da sala de montagem.
Era um processo austero, tenso, mas necessário para fazer o filme que Wright imaginou aos 14 anos.
Um remake? Não. Uma nova leitura.
Wright diz que evita chamar “remake” ao projeto porque isso não captura o que realmente fez:
“O livro nunca foi adaptado a sério. Havia outro filme possível — e era esse que eu queria fazer.”
Para ele, os melhores remakes são os que reinventam, como The Fly de David Cronenberg.
Refazer por refazer é karaoke.
Recontar com alma é cinema.
Esta nova versão chega com tudo aquilo que Wright faz melhor:
energia, irreverência, estilo, inteligência visual e um amor contagiante pelo cinema.
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E com Stephen King a dizer “WOW”, o entusiasmo não é apenas do público — vem da própria fonte.
The Running Man estreou esta semana nos cinemas portugueses.



