“Lavagante”: Cardoso Pires, António-Pedro Vasconcelos e Mário Barroso unidos no cinema 🦞🎬

Do livro ao grande ecrã

Chega esta quinta-feira às salas portuguesas “Lavagante”, adaptação da novela de José Cardoso Pires publicada nos anos 60, ambientada num Portugal marcado pela ditadura e pela repressão do Estado Novo. O projeto começou pelas mãos de António-Pedro Vasconcelos, que escreveu o argumento antes da sua morte em 2024, e foi concluído pelo produtor Paulo Branco e pelo realizador Mário Barroso, que assumiu o desafio de dar forma ao último sonho cinematográfico do colega e amigo.

Barroso, de 78 anos, sublinha que se tratou de “um filme de passagem de testemunho”, onde coexistem três vozes: a do escritor, a do argumentista e a do realizador.

Uma história de sedução e opressão

No centro do enredo está a relação ambígua entre Cecília (Júlia Palha), jovem estudante universitária, e Daniel (Francisco Froes), médico de simpatias democráticas. À sua volta orbitam figuras que espelham o ambiente opressivo da época: (Nuno Lopes), jornalista e amigo de Daniel, e sobretudo Salaviza (Diogo Infante), inspetor da PIDE obcecado por Cecília desde a adolescência, determinado a transformá-la em posse.

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O romance íntimo e claustrofóbico acontece em paralelo com a repressão política, criando um retrato simultaneamente íntimo e histórico de uma Lisboa sufocada pelo medo e pela vigilância.

Estética em preto e branco

Uma das opções mais marcantes de Mário Barroso foi filmar a preto e branco, evocando tanto os clássicos americanos dos anos 40 e 50 como a nouvelle vague francesa. Mais do que uma escolha estética, foi um gesto ideológico, refletindo o ambiente sombrio e cinzento de uma geração que cresceu sob ditadura.

“Não queria carregar num botão e transformar a imagem em preto e branco. Iluminei o filme para esse propósito desde o início”, explicou o realizador, acrescentando que procurou transmitir não apenas a memória visual da época, mas também a sensação de opressão que dominava o quotidiano.

Júlia Palha em destaque

Mário Barroso elogiou abertamente a entrega de Júlia Palha, com quem já tinha trabalhado em Ordem Moral (2020). Contra preconceitos ainda enraizados sobre atores televisivos, o realizador descreveu a atriz como “inteligente, disponível e muito capaz”, sublinhando a paciência e dedicação demonstradas durante a rodagem.

Um filme com memória e urgência

Mais do que um romance, Lavagante surge como alerta político e histórico. Para António-Pedro Vasconcelos, o projeto tinha uma dimensão pedagógica: recordar às gerações mais jovens os anos de ditadura, muitas vezes reduzidos a uma vaga ideia de “país cinzento”.

Essa missão foi também assumida por Mário Barroso:

“As gerações atuais não podem imaginar o que foi viver durante 48 anos em ditadura. O António tinha essa preocupação, e eu partilho-a. Com o rumo que as coisas estão a tomar, faz-me confusão ver tanta gente a sentir esta atração pelo abismo.”

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Um testamento cinematográfico

“Lavagante” não é apenas a adaptação de Cardoso Pires. É também o filme derradeiro de António-Pedro Vasconcelos e uma obra de homenagem à memória de uma época que não deve ser esquecida. Entre romance, política e a melancolia de um país reprimido, o filme chega agora ao público como uma poderosa reflexão sobre liberdade, desejo e memória coletiva.