Carmen Maura regressa em grande: “Calle Málaga” celebra a velhice com humor e humanidade no Festival de Veneza

Carmen Maura, uma das grandes damas do cinema espanhol e rosto incontornável de Pedro Almodóvar, está de volta aos ecrãs com “Calle Málaga”, exibido no Festival de Veneza e já apontado como um dos títulos mais emotivos da edição. O filme marca o regresso da atriz a um papel central e faz-se através do olhar delicado da realizadora marroquina Maryam Touzani, que conquistou projeção internacional com O Azul do Cafetã (2022).

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Em “Calle Málaga”, Maura interpreta María Ángeles, uma espanhola que sempre viveu em Tânger e que, prestes a reencontrar-se com a filha Clara (Marta Etura), prepara croquetes e arruma a casa como quem arruma a própria memória. Mas a visita traz consigo uma revelação amarga: Clara quer vender o apartamento e levar a mãe para Madrid. Perante este choque, a protagonista resiste — com fragilidade, mas também com humor e dignidade.

A realizadora explicou que o filme nasceu da perda da sua própria mãe e da memória das mulheres da sua família. É um trabalho profundamente pessoal, entrelaçado com a língua castelhana que partilhava em casa, os cheiros da cozinha e as músicas de María Dolores Pradera. Essa herança cultural atravessa a narrativa e transforma-se em cinema: os grandes planos de Carmen Maura a cozinhar, a intensidade no seu olhar e o modo como encara a velhice sem máscara ou disfarce.

Para se ambientar, a atriz de 79 anos viveu algumas semanas em Tânger antes das filmagens, mergulhando num universo que, para Touzani, é também o reflexo da sua identidade. A cineasta sublinha que quis retratar a velhice de outra forma, sem a sombra do peso social ou a caricatura habitual: “Envelhecer é um privilégio e uma bênção. Queria celebrar os corpos envelhecidos que tantas vezes preferimos esconder.”

Com “Calle Málaga”, Carmen Maura prova mais uma vez que é capaz de unir força e fragilidade, humor e dor, num só gesto. E Maryam Touzani confirma-se como uma das vozes mais interessantes do cinema contemporâneo, capaz de transformar a memória íntima numa história universal sobre identidade, pertença e a coragem de resistir.

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Avanca 2025: Festival Lança Prémio para Filmes com Inteligência Artificial e Dá Palco ao Cinema Marroquino

A 29.ª edição do Festival de Cinema de Avanca, que decorre de 18 a 27 de Julho, chega com novidades ousadas e um olhar atento às transformações mais profundas do audiovisual contemporâneo. Entre as principais surpresas deste ano, destaca-se a criação de um novo prémio específico para obras produzidas com recurso a Inteligência Artificial e o convite oficial a Marrocos como país em foco na conferência académica que acompanha o certame.

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Apresentado esta segunda-feira em Estarreja, o Festival reafirma-se como um espaço de encontro multicultural, reflexão académica e exibição cinematográfica plural. Com 4017 filmes inscritos provenientes de geografias tão diversas como Brasil, Irão ou Montenegro, a tarefa do júri, segundo António Costa Valente — responsável pelo Cine Clube de Avanca e um dos principais organizadores —, “foi especialmente difícil este ano, dada a qualidade e diversidade das propostas recebidas”.

Inteligência Artificial Entra em Competição

Uma das iniciativas mais emblemáticas desta edição é o Prémio CIAC, criado em colaboração com o Centro de Investigação em Artes e Comunicação, que junta investigadores de várias universidades e politécnicos. Este prémio destina-se exclusivamente a obras cinematográficas produzidas com tecnologias de Inteligência Artificial, respondendo a um debate que há dois anos parecia prematuro, mas que hoje já é incontornável.

“Na altura perguntava-se se a IA teria espaço real na produção cinematográfica. Hoje já é uma realidade bem concreta, e este prémio é a nossa forma de reconhecer isso”, afirmou Costa Valente.

Marrocos como País Convidado

Este ano, Marrocos assume-se como país convidado da componente académica do festival. A Universidade de Tetuão, que lidera a investigação em cinema no país magrebino, estará representada por investigadores e professores que participarão nas sessões de debate e partilha de conhecimento. O objectivo é claro: estreitar laços e abrir espaço à partilha de experiências entre o mundo lusófono e o universo francófono do Norte de África.

De Vasco da Gama ao Cinema Infantil

A programação é, como sempre, vasta e eclética. Um dos destaques é a estreia mundial de “Vasco da Gama, o Mar Infinito”, realizado por Cláudio Jordão, que evoca os 500 anos da célebre viagem do navegador português. Haverá ainda 11 estreias de produções regionais, entre ficção, documentário, animação e filme experimental — uma aposta clara no talento local e na valorização do território.

Também a vertente pedagógica e a formação de públicos não foram esquecidas. No dia 25 de Julho, o Cineteatro de Estarreja acolhe a exibição de curtas de animação para crianças do pré-escolar e do primeiro ciclo, numa iniciativa que visa criar hábitos culturais desde a infância.

Celebração e Memória

O arranque oficial do Festival será já nesta sexta-feira, com uma homenagem especial aos 80 anos do Cine Clube do Porto. Estão previstas uma videoinstalação na Escola Legas Moniz e um videomapping nas paredes do Auditório Paroquial, baseado no espólio de Fernando Gonçalves de Lavrador, um dos fundadores do cineclube e figura de referência na cinefilia portuguesa.

Apoio à Criação e Talento Local

A Câmara Municipal de Estarreja apoia o festival com 32.500 euros, e a vereadora da Cultura, Isabel Simões Pinto, anunciou ainda a intenção de reformular o fundo de apoio à produção cinematográfica, com o objectivo de incentivar a criatividade e o talento dos jovens realizadores da região.

“É um programa de uma abrangência enorme, que vai desde os mais pequenos aos mais velhos, cruzando várias áreas da Arte”, sintetizou a autarca.

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Combinando tradição e inovação, cinema e tecnologia, Avanca 2025 promete ser uma das edições mais estimulantes de sempre, num verdadeiro laboratório de ideias, imagens e encontros.