Portugal Brilha na Bulgária: “O Diabo do Entrudo” de Diogo Varela Silva Distinguido com Menção Honrosa

O cinema documental português continua a conquistar palcos internacionais, desta vez com o filme O Diabo do Entrudo, do realizador Diogo Varela Silva, que arrecadou uma Menção Honrosa na competição internacional do prestigiado Rhodope International Documentary Film Festival (RIFE), que decorreu entre os dias 10 e 13 de Julho, em Smolyan, na Bulgária.

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Este documentário, que mergulha na ancestral tradição dos Caretos do Entrudo de Lazarim, em Lamego, foi distinguido pelo júri da competição de média-metragem, que destacou “a singularidade do olhar do realizador e a riqueza cultural associada à celebração, bem como à enigmática figura do ‘diabo’ que nela persiste”.

Ao lado de Unspoken, do polaco Maciej Adamek, o filme português partilhou esta distinção numa secção particularmente competitiva. O grande vencedor da categoria foi Koka, também da Polónia, realizado por Aliaksandr Tsymbaliuk.

Um Carnaval Arcaico, um Diabo Vivo

O Diabo do Entrudo dá corpo e voz a uma das tradições mais singulares e menos domesticadas do imaginário português: o Entrudo de Lazarim, onde máscaras demoníacas esculpidas em madeira invadem as ruas num ritual de catarse colectiva e celebração primitiva. O filme, segundo o próprio Diogo Varela Silva, procura não só documentar, mas também ressignificar o legado simbólico dos Caretos, numa ponte entre o passado pagão e o presente comunitário.

Desde a sua estreia no DocLisboa em Outubro de 2023, o filme tem percorrido um percurso internacional notável. Foi distinguido como melhor documentário em festivais de Roma e Milão, venceu o prémio Prata nos New York Movie Awards e arrecadou o Prémio do Público no Festival Internacional de Cinema de Santarém.

Festival Búlgaro em Alta

O festival RIFE, cada vez mais reputado entre os circuitos europeus de documentário, premiou também outras obras de relevo. Na categoria de longas-metragens internacionais, o prémio principal foi entregue ao alemão Daniel Kötter, pelo filme Landshaft, uma coprodução Alemanha-Arménia que traça uma “psicogeografia” da região do Lago Sevan até à mina de ouro de Sotk, actualmente ocupada pelo Azerbaijão. Este trabalho, fortemente político e poético, explora uma paisagem marcada por tensões e pela presença silenciosa da memória e da disputa territorial.

A Menção Honrosa nesta categoria foi para Mother Vera, um retrato íntimo de fé e maternidade, realizado pelas britânicas Cécile Embleton e Alys Tomlinson.

Já na categoria de curtas-metragens internacionais, o prémio de Melhor Documentário foi atribuído a Clear Sky, da Polónia, dirigido por Marcin Kundera. Nesta secção, foram ainda distinguidos To the Embers (França) e Convention of Contracts (Grécia), com Menções Honrosas.

A Importância de Persistir

O reconhecimento internacional de O Diabo do Entrudo representa não só uma vitória artística para Diogo Varela Silva, mas também uma valorização da tradição oral, ritual e simbólica portuguesa num palco global. Em tempos de crescente homogeneização cultural, o olhar atento e poético do realizador sobre a tradição carnavalesca portuguesa assume-se como um gesto de resistência — e de afirmação identitária.

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Para um país onde o cinema documental luta muitas vezes com orçamentos limitados e escassa visibilidade, este percurso internacional mostra que o que é local pode ser também universal — e que o “diabo” português pode, afinal, continuar a dançar mundo fora.

Festival de Documentário de Melgaço regressa com mais de 30 filmes a concurso e residência criativa para jovens realizadores

Entre 28 de Julho e 3 de Agosto, o MDOC 2025 volta a ser ponto de encontro entre cinema, identidade e território

MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço está de volta, e a 11.ª edição, marcada para 28 de Julho a 3 de Agosto de 2025, promete transformar a vila minhota num verdadeiro centro de criação, exibição e reflexão cinematográfica. Organizado pela associação AO NORTE e pela Câmara Municipal de Melgaço, o festival apresentará mais de 30 filmes em competição, e reforça este ano o seu compromisso com a formação de novos talentos através de residências, oficinas e masterclasses.

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Residência Plano Frontal: jovens realizadores em acção

Uma das pedras basilares do festival é a Residência Cinematográfica Plano Frontal, orientada por Pedro Sena Nunes, que reúne quatro equipas de jovens cineastas — finalistas ou recém-licenciados em Cinema, Audiovisual e Comunicação. Entre 25 de Julho e 3 de Agosto, os participantes vão criar documentários sobre temas locais, em estreita ligação com o território de Melgaço, contribuindo assim para o arquivo audiovisual da região e para a valorização do seu património imaterial.

Fotografia com bolsa: registar a alma do Minho

Em paralelo, decorre também a Residência Fotográfica, que desafia três jovens fotógrafos a mergulharem num contexto imersivo de dez dias em Melgaço. Cada selecionado receberá uma bolsa de dois mil euros e terá apoio técnico e artístico para desenvolver um projecto fotográfico com enfoque nas gentes, paisagens e histórias da região. As inscrições para esta residência decorrem até 30 de Junho.

Margarida Cardoso lidera Oficina de Cinema

Entre 28 e 31 de Julho, a realizadora Margarida Cardoso — nome maior do cinema português, com uma obra entre o documental e a ficção — orienta a Oficina de Cinema. Este espaço de experimentação convida os participantes a desenvolverem ideias de filmes a partir de exercícios criativosreferências visuais e leituras sugeridas, proporcionando uma verdadeira incubadora de narrativas.

As inscrições estão abertas até 15 de Julho.

Curso de Verão Fora de Campo: cinema e pensamento crítico

Este ano, o curso de Verão Fora de Campo volta a juntar realizadores, artistas, investigadores e agentes culturais, promovendo debates sobre o cinema e o seu papel no mundo contemporâneo. A edição de 2025 contará com a colaboração da DOCMA – Asociación Española de Cine Documental, e a participação de nomes como Sandra RuesgaRaúl Alaejos e Alfonso Palazón, que também assume a coordenação do curso ao lado de José da Silva Ribeiro. As inscrições estão abertas até 11 de Julho.

Masterclass e sessão X-Raydoc com clássicos do cinema documental

No dia 1 de Agosto, a cineasta Sandra Ruesga dará a masterclass “Explorar o Eu: Cinema Auto-referencial e Identidade”, onde abordará o cruzamento entre o íntimo e o político na criação documental. Já a sessão X-Raydoc, no dia 3 de Agosto, propõe uma viagem aos alicerces do documentário com a exibição e análise de dois clássicos: Lettre de Sibérie (1957), de Chris Marker, e À Valparaíso (1963), de Joris Ivens.

MDOC promove encontro internacional de festivais

Pela primeira vez, o MDOC acolhe um encontro de representantes de festivais de documentário de toda a Europa, com o objectivo de discutir “caminhos futuros” para o género. Estão confirmados representantes de festivais como o Majordocs (Espanha), Escales Documentaires (França), Frontdoc (Itália) e One World Romania (Roménia), entre outros.

Projecto “Quem somos os que aqui estamos?” dá voz à freguesia de Alvaredo

Como parte da programação expandida, a AO NORTE apresenta o projecto “Quem somos os que aqui estamos?”, focado na freguesia de Alvaredo. O objectivo é escutar e registar as memórias e identidades locais, através de entrevistas audiovisuaisdigitalização de álbuns de família, uma exposição fotográfica e até a edição de uma publicação com o resultado final.

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Documentar o presente, preservar a memória

O MDOC 2025 reafirma-se como um festival que ultrapassa a mera exibição de filmes: é um lugar de encontro entre autor e território, entre documentário e identidade, entre reflexão e criação. Um festival com raízes no Minho e ramos a crescer por toda a Europa.

Três estreias portuguesas no Festival de Cinema de Marselha: Rita Azevedo Gomes, Leonor Noivo e João Miller Guerra em destaque

Cinema português em força no FIDMarseille 2025

Portugal volta a marcar presença no panorama internacional do cinema com três estreias mundiais no Festival Internacional de Cinema de Marselha (FIDMarseille), que celebra a sua 36.ª edição de 8 a 13 de Julho de 2025. Os novos filmes de Rita Azevedo GomesLeonor Noivo e João Miller Guerra foram seleccionados para a programação oficial do festival francês, um dos mais relevantes do circuito europeu no campo do cinema documental e de autor.

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Entre ficção, documentário e experiências híbridas, os três projectos representam diferentes abordagens estéticas e temáticas, revelando a vitalidade criativa do cinema português contemporâneo — e também a sua capacidade de dialogar com temas universais.

“Fuck the Polis”: Rita Azevedo Gomes em competição internacional

Em estreia mundial e inserido na competição internacionalFuck the Polis marca o regresso de Rita Azevedo Gomes com uma obra que volta a cruzar literatura, paisagem e existencialismo. O título invoca o livro de poesia de João Miguel Fernandes Jorge, mas também um gesto político de rebeldia e contemplação.

Segundo a sinopse oficial, o filme parte de uma personagem chamada Irma, que, vinte anos depois de uma viagem à Grécia feita sob a convicção de que estava condenada, regressa agora acompanhada por três jovens. Entre ilhas, mar e céu, o grupo mergulha em leituras, escutas e vivências guiadas pelo apelo à beleza e à clareza. O argumento é assinado pela realizadora e por Regina Guimarães, e a produção é da responsabilidade da própria Rita Azevedo Gomes.

“Bulakna”: Leonor Noivo estreia-se na longa-metragem

Também em competição e em estreia absoluta estará Bulaknaprimeira longa-metragem de Leonor Noivo, produzida pela Terratreme Filmes com coprodução francesa. O documentário foca-se na diáspora de mulheres filipinas, um tema raramente explorado no cinema português, e promete lançar luz sobre histórias de migração, resistência e identidade feminina globalizada.

Leonor Noivo, com uma carreira marcada por curtas-metragens intensas e observacionais, dá agora um passo sólido para o grande ecrã, mantendo o seu olhar atento à intimidade dos corpos e à invisibilidade das histórias que habitam as margens do quotidiano.

“Complô”: o cinema político de João Miller Guerra

A terceira estreia portuguesa no festival é Complô, de João Miller Guerra, documentário que parte da figura de Ghoya (Bruno Furtado), rapper e activista luso-cabo-verdiano, cuja história de vida é atravessada por questões de identidade, exclusão e pertença.

Segundo a produtora Uma Pedra no Sapato, o filme mergulha na experiência de alguém que “viu negado à nascença o direito de ser e se sentir português”, propondo uma reflexão poderosa sobre racismo estrutural e cidadania num país que ainda se confronta com os seus fantasmas coloniais. Uma obra urgente e política, que prolonga a linha de intervenção social visível noutras obras do realizador.

Coproduções e panorama internacional

Além dos filmes portugueses, o FIDMarseille 2025 conta ainda com coproduções nacionais, como All Roads Lead to You, da artista ucraniana Jenya Milyukos, e Morte e Vida Madalena, do brasileiro Guto Parente — ambas com presença portuguesa nos créditos, revelando a crescente participação lusa em projectos transnacionais.

O festival abrirá com Kontinental, do romeno Radu Jude, outro autor de culto do cinema europeu contemporâneo.

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FIDMarseille volta assim a afirmar-se como um espaço privilegiado para a descoberta de vozes singulares e para a afirmação de um cinema que resiste ao formato, à fórmula e ao facilitismo — e Portugal, felizmente, está no centro dessa conversa.