Maria de Medeiros Triunfa no México: Festival de Guadalajara Rende-se ao Talento Português

A 40.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Guadalajara terminou em festa com uma homenagem à carreira da atriz e realizadora portuguesa

Foi um fim de festa em grande para o cinema português no México. A 40.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Guadalajara encerrou com um momento especial: a entrega do prémio Homenagem a Convidada de Honra a Maria de Medeiros, figura incontornável do nosso cinema e presença marcante em produções internacionais como Pulp Fiction e Henry & June.

ver também : Jacinda Ardern Vira Documentário: Quando Liderar com Empatia é um Acto Revolucionário

No discurso emocionado, durante a cerimónia de encerramento no passado sábado, a atriz e realizadora sublinhou o carinho que sente pelo país anfitrião: “O México é uma grande nação de cultura, arte e cinema, e é uma referência. Todos os maravilhosos realizadores mexicanos que continuam a contribuir com uma criatividade extraordinária para o cinema mundial — o facto de este cinema se inspirar no cinema português é algo que nos comove profundamente”.

Maria de Medeiros, que filmou no México Duas Fridas e finalizou lá a pós-produção de Aos Nossos Filhos, fez questão de destacar as boas vibrações que sente sempre que pisa solo mexicano — um amor claramente correspondido.

Portugal em Destaque: Uma Seleção de Luxo do Nosso Cinema

A presença portuguesa em Guadalajara não se ficou apenas pela homenagem a Maria de Medeiros. Portugal foi o país convidado desta edição e fez-se representar com mais de 30 filmes — uma verdadeira montra da riqueza cinematográfica nacional, da memória histórica às vozes mais arrojadas da contemporaneidade.

Foram exibidas obras emblemáticas como Silvestre, de João César Monteiro, protagonizado por Maria de Medeiros, e Capitães de Abril, que a própria realizou. Mas o programa especial foi ainda mais fundo, com uma seleção que atravessou décadas e estilos: A Fábrica de Nada (Pedro Pinho), Trás-os-Montes (António Reis e Margarida Cordeiro), Maria do Mar(Leitão de Barros), A Noite (Regina Pessoa) ou As Fado Bicha (Justine Lemahieu), entre muitos outros títulos.

Pedro Costa, Manoel de Oliveira e José Álvaro Morais também marcaram presença nesta viagem ao cinema português, aclamada por críticos e espectadores.

Competição Ibérica: Documentários, Ficção e Narrativas LGBTQIA+

Na competição de melhor longa-metragem documental ibero-americana, A Savana e a Montanha, de Paulo Carneiro, destacou-se pelo seu olhar sobre a resistência da comunidade de Covas do Barroso à mineração de lítio. Ainda assim, o prémio foi para Tardes de solidão, do espanhol Albert Serra, uma produção coproduzida por Portugal que mergulha no mundo da tauromaquia.

Outras produções com carimbo português também estiveram em destaque: Ouro Negro, de Takashi Sugimoto, filmado na Índia com produção da Uma Pedra no Sapato, e La memoria de las mariposas, da peruana Tatiana Fuentes Sadowski, com coprodução da Oublaum Filmes, concorreram na secção de cinema socio-ambiental.

Na ficção, Sonhar com Leões, comédia negra de Paolo Marinou-Blanco sobre a eutanásia, marcou presença na competição oficial, enquanto Duas vezes João Liberada, de Paula Tomás Marques, concorreu ao Prémio Maguey, dedicado ao cinema LGBTQIA+, com uma história provocadora sobre identidade e perseguição na época da Inquisição.

Tapete Voador e Ice Merchants: A Animação Também Levou Portugal ao México

No campo da animação, Portugal não ficou atrás. Os demónios do meu avô, de Nuno Beato, encantou o público e ganhou ainda mais destaque com a exposição dos bonecos em miniatura usados na técnica de stop-motion. A isto juntou-se uma masterclasse do realizador João Gonzalez, autor do aclamado Ice Merchants, que partilhou bastidores e processos criativos com uma plateia entusiasmada.

Ainda nas curtas-metragens, Tapete Voador, de Justin Amorim, abordou com coragem e crueza o maior escândalo de pedofilia institucionalizada em Portugal, e Two Ships, do norte-americano McKinley Benson com coprodução da portuguesa Cola Animation, foi candidato ao prémio de melhor curta de animação.

Um Festival com Alma Portuguesa

O Festival Internacional de Cinema de Guadalajara mostrou ao mundo o que de melhor se faz em Portugal. Mais do que uma celebração do passado e presente de figuras como Maria de Medeiros, foi uma afirmação de identidade, diversidade e criatividade. E se havia dúvidas sobre o impacto do cinema português além-fronteiras, Guadalajara dissipou-as todas — com o calor de uma ovação e o brilho de um prémio merecido.

ver também . 🎯 Ballerina Não É o Tiro Certo: O Universo John Wick Está a Perder o Norte?

Luis Miguel Cintra revisita uma vida inteira no cinema num livro de memórias a apresentar no Porto

“Comentários a uma Filmografia” junta quase 100 filmes e um olhar íntimo sobre décadas de representação

Há actores que atravessam o cinema como personagens. Luis Miguel Cintra atravessou-o como presença. Com voz, corpo e uma inteligência discreta mas marcante, tornou-se figura incontornável tanto no teatro como no grande ecrã. Agora, aos 76 anos, o actor e encenador olha para trás e organiza essa travessia num livro que é, ao mesmo tempo, inventário e confissão.

ler também: Martin Scorsese revela por que deixou de ir ao cinema: “As pessoas estragam a experiência”

“Luis Miguel Cintra: Comentários a uma Filmografia” é lançado este mês pelas Edições Caminhos do Cinema Português e será apresentado no dia 12 de Junho, no Cinema Trindade, no Porto, com a exibição especial de Uma Pedra no Bolso (1988), de Joaquim Pinto — escolha pessoal do actor para assinalar o momento.

Uma filmografia, muitas memórias

O livro nasceu de um desafio lançado pelo festival Caminhos do Cinema Português, que em 2024 homenageou o actor com o Prémio Ethos. A proposta era simples: revisitar os muitos filmes em que participou. A resposta de Cintra foi tudo menos banal — comentou um por um, com lucidez, ironia e emoção.

São quase 100 filmes, entre 1970 e 2022, percorrendo colaborações com nomes como Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Solveig Nordlund, Maria de Medeiros, Joaquim Pinto, Paulo Rocha, João César Monteiro, entre muitos outros.

Foi precisamente com João César Monteiro que Cintra se estreou no cinema, em Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço (1970). Na introdução ao texto sobre esse filme, escreve:

“Quando comecei foi quase por acaso. Mas nada é por acaso a não ser os desastres e o primeiro amor.”

Um livro entre o íntimo e o político

Muito mais do que um exercício de memória, o livro revela-se uma viagem interior ao ofício da representação no cinema, feita por quem sempre assumiu que o seu lugar natural era o teatro.

Luis Miguel Cintra escreve com gratidão, mas também com ironia e alguma mágoa. Sobre o seu percurso no cinema, observa:

“Serei talvez o actor que em Portugal não ganhou quase nada com os filmes, porque nunca recusei um papel por ganhar pouco ou nada, e recusei sempre qualquer papel na televisão.”

Reflexões como esta pontuam o livro, que oscila entre o comentário técnico, o registo afectivo e a análise artística. Em Peixe Lua (2000), de José Álvaro Morais, por exemplo, lê-se:

“Marca a vida de uma pessoa fazer um filme assim (…) quase um filme de família com tantas histórias secretas.”

E quando escreve sobre O Gebo e a Sombra (2012), com Manoel de Oliveira, emociona:

“É um filme que surge na minha vida como uma incrível recompensa pela admiração e pela amizade incondicionais que para sempre associam o meu ofício de actor de cinema à sua obra.”

Uma vida contada em planos, falas e silêncios

O livro percorre não apenas as obras maiores, mas também momentos mais discretos — todos tratados com a mesma atenção. O tom, por vezes confessional, nunca cede ao sentimentalismo fácil. Em vez disso, temos um homem a pensar sobre o tempo, o trabalho e a memória, com a serenidade de quem sabe que o seu legado está construído não em prémios, mas em presenças.

No caso de Capitães de Abril (2000), de Maria de Medeiros, por exemplo, a memória do filme convoca a memória do próprio 25 de Abril. Cintra recorda-se de estar no Quartel do Carmo com o actor Luís Lucas, e escreve:

“Posso jurar que a atmosfera que se viveu não foi a de um doce e amável festejo com bandeirinhas. Nós estávamos cheios de medo de que aquilo não resultasse.”

Uma sessão para celebrar o cinema português… e um actor maior

A sessão de apresentação no Cinema Trindade, no dia 12 de Junho, é um momento para celebrar não só o livro, mas também a própria ideia de memória no cinema. Com a exibição de Uma Pedra no Bolso, de Joaquim Pinto, o evento recupera uma das muitas colaborações que marcaram o percurso de Cintra — um actor que, nas palavras de muitos, nunca fez um papel menor, mesmo quando o papel era pequeno.

O livro, segundo o próprio, “ficou uma espécie de livro de memórias, uma coisa meio sentimental da minha vida no cinema.”

ler também : Cinema português em queda nas bilheteiras: apenas 1% dos espectadores viu filmes nacionais em 2025

Felizmente para nós, ficou também um testemunho precioso de um dos maiores actores portugueses e do modo como viveu o cinema: com entrega, curiosidade e — acima de tudo — dignidade.

Portugal em destaque no Festival de Cinema de Guadalajara: mais de 30 filmes e homenagem a Maria de Medeiros

Do Douro ao México: celebração do cinema português na 40.ª edição do festival

Portugal é o país convidado da 40.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, que arrancou esta sexta-feira no México. A presença lusa faz-se sentir em força, com mais de 30 filmes portugueses — dos clássicos à vanguarda contemporânea — e uma programação que presta homenagem à atriz e realizadora Maria de Medeiros, uma das figuras mais internacionais da nossa cinematografia.

A selecção inclui nomes incontornáveis como Pedro Costa, Manoel de Oliveira, José Álvaro Morais e obras de diferentes géneros e formatos, do documentário à ficção, da curta à longa-metragem, do cinema de autor à animação em stop-motion.

Uma homenagem justa a Maria de Medeiros

epa10655750 Maria de Medeiros arrives for the screening of ‘The Old Oak’ during the 76th annual Cannes Film Festival, in Cannes, France, 26 May 2023. The movie is presented in the Official Competition of the festival which runs from 16 to 27 May. EPA/GUILLAUME HORCAJUELO

Entre os destaques do festival está a homenagem a Maria de Medeiros, celebrando o seu percurso como atriz, realizadora e artista multifacetada. Serão exibidos filmes icónicos da sua carreira, como Silvestre, de João César Monteiro, onde protagonizou um dos seus primeiros papéis no cinema, e Capitães de Abril, a sua obra como realizadora que homenageia a Revolução dos Cravos.

A homenagem é uma forma de sublinhar a ligação histórica e afectiva de Maria de Medeiros com o cinema europeu e internacional, bem como o seu papel de embaixadora cultural de Portugal no mundo.

Animação portuguesa também em destaque

cinema de animação marca igualmente presença no festival, com Os demónios do meu avô, de Nuno Beato, a ser exibido acompanhado por uma exposição com miniaturas em stop-motion usadas na produção do filme — um raro vislumbre do processo criativo por detrás da técnica artesanal.

O realizador João Gonzalez, autor do premiado Ice Merchants, dará ainda uma masterclasse sobre animação, contribuindo para o reconhecimento internacional da nova geração de animadores portugueses.

Clássicos e novos olhares

A selecção de obras portuguesas inclui títulos fundamentais como Maria do Mar (1930), de Leitão de Barros, e Trás-os-Montes (1976), de António Reis e Margarida Cordeiro — ambos pilares históricos do nosso cinema.

Mas também há espaço para o contemporâneo com filmes como A fábrica de nada (Pedro Pinho), As Fado Bicha (Justine Lemahieu) e A noite (Regina Pessoa). O documentário A Savana e a Montanha, de Paulo Carneiro, que aborda a resistência à exploração de lítio em Covas do Barroso, está nomeado para o prémio de melhor longa-metragem documental ibero-americana.

Outros filmes em competição incluem Tardes de solidão, do espanhol Albert Serra (coprodução portuguesa), Ouro negro, de Takashi Sugimoto (produzido por Uma Pedra no Sapato), e Tapete voador, curta-metragem de Justin Amorim baseada em casos reais de abuso sexual em Portugal.

Representação LGBT e consciência social

Na secção Maguey, dedicada a narrativas LGBT, o filme Duas vezes João Liberada, de Paula Tomás Marques, traz à tela a história de uma figura ficcional perseguida pela Inquisição por transgredir as normas de género da época.

Já La memoria de las mariposas, da peruana Tatiana Fuentes Sadowski, com coprodução portuguesa da Oublaum Filmes, está a concurso na categoria de cinema socioambiental, um tema cada vez mais presente nas preocupações dos festivais internacionais.

Um festival que celebra o passado, o presente e o futuro do cinema português

Com esta programação vasta e eclética, o Festival de Guadalajara assume-se como uma montra de luxo para o cinema português, reconhecendo não só os mestres do passado como também as vozes emergentes de uma nova geração de criadores.

A 40.ª edição do festival decorre até 14 de Junho, e é, sem dúvida, um momento de celebração para todos os que acreditam na força transformadora do cinema português além-fronteiras.