Quando interpretar músicos é mais do que aprender acordes
Kate Hudson e Jeremy Allen White pertencem a gerações diferentes de Hollywood, mas cruzam-se agora num território comum: filmes onde a música não é apenas pano de fundo, mas motor emocional. Numa conversa franca e cheia de cumplicidade, os dois actores reflectem sobre os seus mais recentes projectos — Song Sung Blue e Springsteen: Deliver Me From Nowhere — e sobre a forma como a música, dentro e fora do ecrã, pode literalmente salvar pessoas.
Hudson foi catapultada para o estrelato ainda adolescente com Almost Famous, de Cameron Crowe, tornando-se um ícone imediato ligado à mitologia do rock. Este ano, entrega uma das interpretações mais maduras da carreira como metade de uma banda tributo a Neil Diamond, numa história real tão comovente quanto agridoce. Jeremy Allen White, por sua vez, troca o avental de The Bear por uma das tarefas mais delicadas que um actor pode enfrentar: interpretar Bruce Springsteen num dos períodos mais vulneráveis e criativamente livres da sua vida.
O peso simbólico da roupa, dos instrumentos… e da herança
White fala com particular detalhe sobre a fisicalidade de vestir Springsteen. Os jeans apertados, as botas, os casacos — tudo contribuiu para moldar postura, movimento e até respiração. Mais do que figurino, foi uma transformação corporal. O próprio Springsteen acabou por lhe emprestar peças reais da juventude e, num gesto de enorme intimidade, ofereceu-lhe a medalha de São Cristóvão que usou durante anos, bem como uma guitarra Gibson J-200 de 1955 para aprender a tocar.
Para Hudson, que também partilha essa ligação profunda com instrumentos e com o palco, este tipo de detalhe faz toda a diferença. Ambos concordam que interpretar músicos reais exige mais do que imitação: é preciso compreender o processo criativo, a dúvida, o silêncio e até a tortura emocional que muitas vezes acompanha a composição.
“Nebraska”: um mapa emocional inesperado
Jeremy Allen White admite que, apesar de conhecer Bruce Springsteen como qualquer pessoa, nunca tinha verdadeiramente mergulhado em Nebraska — o álbum mais cru e intimista do músico. Esse disco acabou por se tornar a bússola emocional da sua interpretação. Poucos acordes, produção minimalista, letras profundamente específicas. Para White, foi como receber um mapa directo para o interior da personagem.
Hudson confessa que Nebraska sempre teve um peso pessoal na sua vida e sublinha como certos álbuns funcionam quase como chaves emocionais. Ambos falam da música como atalho para estados de espírito que, por vezes, o próprio actor não consegue alcançar apenas pela técnica. Quando isso falha, há sempre uma canção capaz de desbloquear algo.
Dois métodos, um mesmo compromisso
A conversa revela também abordagens muito diferentes ao trabalho. White prepara intensamente antes de chegar ao set e depois agarra-se às decisões iniciais com firmeza quase inflexível. Hudson, pelo contrário, prefere fazer um enorme trabalho prévio para depois se libertar completamente em cena, mantendo-se aberta ao acaso, à improvisação e à energia do momento.
Ainda assim, ambos reconhecem o mesmo objectivo: honestidade emocional. Hudson elogia a forma como White internalizou o processo criativo de Springsteen, descrevendo-o como algo que a emocionou profundamente enquanto compositora. White retribui, destacando a luz, o optimismo e a alegria que Hudson transporta mesmo para personagens marcadas pela desilusão.
Música como refúgio, não como fama
Há um ponto essencial onde os dois filmes se tocam: nenhum deles é sobre o estrelato. Song Sung Blue fala de músicos que nunca chegaram ao topo, mas que tocaram porque precisavam de tocar. Deliver Me From Nowhere foca-se num artista já famoso, mas isolado, a criar um disco que nasce da necessidade, não da ambição.
Hudson resume essa ideia com clareza: são histórias sobre música como escape, como sobrevivência. White concorda — os personagens não pensam no que vão receber em troca. Fazem-no porque não sabem viver de outra forma.
E as comédias românticas?
A conversa termina num tom mais leve, com Hudson a defender apaixonadamente as comédias românticas como um dos géneros mais difíceis e subvalorizados do cinema. White admite que adoraria fazer uma, mas apenas se fosse “à séria”, ao nível de When Harry Met Sally. Hudson responde com uma certeza de quem já viveu isso: uma boa rom-com pode mudar vidas, porque faz as pessoas sentirem-se melhor.
Talvez seja essa a ideia que une toda a conversa. Seja rock, folk, country ou romance no grande ecrã, Hudson e White acreditam no cinema como veículo de empatia, consolo e ligação humana. Filmes sobre música, no fundo, acabam sempre por ser filmes sobre pessoas — e sobre a forma como tentam, desesperadamente, não se perder.



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