O outrora intocável Gérard Depardieu, símbolo máximo do cinema francês durante décadas, enfrenta agora o maior escândalo da sua carreira. Nos dias 24 e 25 de março de 2025, o ator será julgado pelo Tribunal Criminal de Paris, acusado de agressão sexual contra duas mulheres durante as filmagens de Les Volets Verts (Os Estores Verdes) em 2021. Aos 76 anos, a figura maior do grande ecrã é confrontada não apenas por estas queixas formais, mas por um total de mais de 20 mulheres que o acusam de violência sexual ou comportamentos inapropriados — um tsunami de denúncias que marca o maior caso do movimento #MeToo em França.

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Uma filmagem que se transformou em pesadelo

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Les Volets Verts, realizado por Jean Becker, parecia feito à medida de Depardieu: a história de um ator consagrado em decadência, minado pelos excessos e pela idade. Mas, nos bastidores, o que se desenrolou foi um reflexo cruel dessa ficção: um ambiente de intimidação, silêncio e medo.

Amélie, assistente de cenografia de 54 anos, apresentou queixa por agressão sexual, assédio sexual e insultos sexistas, acusando Depardieu de a ter agarrado de forma violenta num corredor, envolvendo-a com as pernas e apalpando-lhe o corpo até aos seios. A agressão, segundo relata, só terminou graças à intervenção dos seguranças do ator. “Foi brutal”, disse à Mediapart. “No fim, ele gritou ‘vemos-nos em breve, querida!’”.

Outra queixosa, Sarah, terceira assistente de realização de 34 anos, afirmou ter sido apalpada nas nádegas em mais do que uma ocasião e nos seios, apesar de ter manifestado o seu desconforto. Ambas alegam ter informado a produção, mas garantem que as queixas foram ignoradas.

Um clima de silêncio e intimidação

A atriz Anouk Grinberg, também presente nas filmagens, criticou publicamente o realizador Jean Becker por, alegadamente, “ter conhecimento das agressões e nada fazer”. Acusou ainda a equipa de produção de impor um código de silêncio: “Antes das filmagens, disseram-nos: ‘Se houver qualquer problema, calem-se. Se falarem, são despedidos’”.

Depardieu nega as acusações. A sua defesa alega que tudo não passa de uma “campanha de difamação”. Inicialmente, o ator faltou ao julgamento marcado para outubro de 2024, alegando problemas de saúde relacionados com a sua diabetes e um historial de cirurgia cardíaca. Contudo, foi posteriormente considerado apto a comparecer em tribunal.

Um passado que regressa com força

As acusações de 2021 não são um caso isolado. Em 2018, a atriz francesa Charlotte Arnould denunciou Depardieu por violação, alegando que o ator a violou duas vezes na sua residência privada. O processo encontra-se ainda em fase de instrução, com o Ministério Público de Paris a pedir formalmente, em agosto de 2024, que o ator seja julgado por violação e agressão sexual.

A lista de denúncias contra o ator inclui, ao todo, seis queixas formais — duas por violação e quatro por agressão sexual — para além de múltiplos testemunhos anónimos e reportagens de investigação que revelam comportamentos abusivos recorrentes.

Cultura, poder e impunidade

O caso Depardieu tornou-se um símbolo maior da crise de consciência que assola o meio cultural francês. Um grupo de figuras públicas publicou uma carta aberta em 2023, acusando a imprensa de “linchamento”. Uma resposta não tardou a surgir, desta feita em defesa das vítimas e contra o silêncio que protege “os intocáveis da cultura”.

O próprio Presidente Emmanuel Macron causou polémica ao descrever Depardieu como um “imenso ator que fez a França orgulhosa”, ignorando o peso das acusações pendentes. O comentário foi recebido com indignação por movimentos feministas e por parte da sociedade civil, que exigem maior empatia para com as vítimas.

A fratura é clara: de um lado, a reverência pela arte e o estatuto; do outro, a exigência de responsabilidade e justiça, mesmo quando o acusado é um dos maiores nomes da história do cinema francês.

E agora?

A presença de Depardieu no tribunal de Paris poderá marcar um ponto de viragem. Mais do que um julgamento sobre factos concretos, é um julgamento sobre uma era e sobre um sistema que durante décadas protegeu os poderosos, silenciou vítimas e ignorou alertas.

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Independente do veredito, o impacto já é visível: festivais, distribuidoras e mesmo antigos colegas de profissão começam a distanciar-se do ator. A aura de intocabilidade que durante décadas envolveu Gérard Depardieu parece ter-se dissipado — e talvez seja esse o primeiro sinal de que algo, finalmente, está a mudar.

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