
O cinema tem um poder transformador. Não apenas nos emociona, mas também nos obriga a confrontar verdades incômodas e a refletir sobre o passado. “Caixa de Resistência”, o documentário realizado por Concha Barquero Artés e Alejandro Alvarado Jódar, mergulha precisamente nesse território, explorando a história do cineasta Fernando Ruiz Vergara, cujo filme “Rocío” (1981) se tornou o primeiro a ser censurado na Espanha democrática.
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A longa-metragem, que chega às salas portuguesas a 27 de março, não apenas revisita a polêmica censura de “Rocío”, mas também resgata os muitos projetos inacabados de Ruiz Vergara, um cineasta que sonhou filmar histórias que nunca chegaram ao grande ecrã.
O Caso “Rocío”: Uma Ferida Ainda Aberta
Em 1981, a Espanha já vivia sob um regime democrático, mas nem por isso estava pronta para encarar o seu passado. “Rocío”, documentário que analisava a famosa romaria andaluza com um olhar crítico, incluindo um segmento que denunciava a repressão fascista durante a Guerra Civil Espanhola, foi proibido pelos tribunais.
O argumento usado para a censura foi revelador: não era “atinado avivar o borralho dessas lutas”, segundo o Supremo Tribunal espanhol. Em outras palavras, o país ainda não estava preparado para lidar com as suas feridas.
A sentença judicial contra o filme continua em vigor até hoje – um facto impressionante e simbólico. Embora “Rocío”tenha sido mais tarde exibido com cortes, a sua versão integral apenas pode ser encontrada na internet, em plataformas como YouTube.
O Exílio e os “Filmes Sonhados”
Após ser silenciado, Fernando Ruiz Vergara exilou-se em Portugal, onde viveu até à sua morte, em 2011. Em “Caixa de Resistência”, os realizadores não se limitam a analisar este caso de censura – eles também nos oferecem um vislumbre do que poderia ter sido a obra completa do cineasta.
Ruiz Vergara nunca parou de sonhar com novos filmes. Entre os projetos que nunca se concretizaram, havia gravações sobre as Minas da Panasqueira, o 25 de Abril de 1974 e Otelo Saraiva de Carvalho, cuja campanha presidencial de 1976 o cineasta acompanhou de perto.
O documentário torna-se, assim, um tributo não apenas ao realizador, mas também a todos os cineastas cujas vozes foram abafadas pelo poder.
Um Documento Necessário e Urgente
Ao assistir “Caixa de Resistência”, torna-se evidente que a memória histórica continua a ser uma questão delicada na Espanha. Como destaca Concha Barquero Artés, o país nunca resolveu verdadeiramente os traumas da ditadura franquista, e essa falta de “reparação” alimenta muitas das tensões políticas atuais, incluindo a ascensão da extrema-direita.
O filme, que tem sido premiado em festivais espanhóis, demonstra como o passado ainda ecoa no presente. E, mais do que isso, recorda-nos que a censura não é um fantasma do passado – é uma ameaça constante que se manifesta de formas diferentes em cada época.
A Importância da Exibição em Portugal
Portugal desempenhou um papel crucial na vida de Fernando Ruiz Vergara, e agora, “Caixa de Resistência” regressa ao país onde o cineasta viveu os seus últimos anos. A coprodução luso-espanhola, que envolve a produtora portuguesa Blablabla Media, reforça a importância de recuperar estas histórias e refletir sobre os desafios da liberdade de expressão.
🎬 “Caixa de Resistência” estreia em Portugal a 27 de março. Um documentário obrigatório para quem acredita que o cinema tem o poder de resgatar memórias, denunciar injustiças e desafiar o esquecimento.
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