Foi no Festival de Telluride que Edward Berger (All Quiet on the Western Front, Conclave) apresentou em estreia mundial o seu mais recente filme, Ballad of a Small Player, um turbilhão visual e emocional que tem em Colin Farrell a sua força motriz.
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O ator irlandês interpreta Lord Doyle — ou melhor, um impostor que se faz passar por um aristocrata britânico enquanto foge do passado e da justiça no Reino Unido. Viciado em Baccarat, Doyle perde-se nas luzes de Macau, versão asiática e ainda mais intensa de Las Vegas, acumulando dívidas e fantasmas até se ver numa espiral de desespero.
Farrell em estado de graça
Desde a primeira cena — Doyle a acordar e a murmurar um “Oh, f*ck!” carregado de exaustão — Farrell domina o ecrã com uma entrega física e emocional arrebatadora. A interpretação é comparável às de Paul Newman em The Hustler ou Nicolas Cage em Leaving Las Vegas: um homem à beira do abismo, condenado pelos próprios vícios, mas ainda assim capaz de despertar empatia.
O filme joga constantemente com a perceção: será tudo real ou apenas a alucinação febril de um jogador em colapso? Doyle terá mesmo sobrevivido a uma queda ou será apenas uma miragem? Berger não dá respostas fáceis, preferindo mergulhar o público num delírio que oscila entre a tragédia e a sátira.
O luxo do elenco
Se Farrell é o coração da obra, Tilda Swinton oferece-lhe a réplica perfeita como Cynthia Blithe, uma investigadora privada contratada para o caçar. As suas trocas verbais, ora tensas ora deliciosamente absurdas, dão ao filme momentos de humor inesperado.
Outro destaque é Fala Chen como Dao Ming, funcionária de casino que tenta, em vão, travar a autodestruição de Doyle, e ainda Deanie Ip, lendária atriz de Hong Kong, numa participação saborosa como uma milionária viciada em Baccarat.
Macau como personagem
Filmado integralmente em Macau — tornando-se a primeira grande produção estrangeira a conseguir autorização para tal — o filme transforma a cidade em algo quase mítico. Entre o neón dos casinos e as ruelas encharcadas pela monção, a atmosfera lembra um oásis ilusório, simultaneamente fascinante e opressivo. A fotografia de James Friend e o design de produção de Jonathan Houlding contribuem para esta sensação de febre permanente, amplificada pela música dramática de Volker Bertelmann.
Uma viagem hipnótica
Ballad of a Small Player, adaptado do romance de Lawrence Osborne por Rowan Joffe, não é apenas um “thriller” sobre um vigarista. É um mergulho na solidão, na compulsão e na impossibilidade de redenção. Um filme que oscila entre sonho e pesadelo, com Colin Farrell no auge das suas capacidades.
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Se há dúvida de que Berger voltaria a surpreender depois do triunfo de All Quiet on the Western Front, a resposta é clara: conseguiu transformar uma história de vício e queda em algo hipnótico, por vezes grotesco, mas impossível de desviar o olhar.



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