O esquema Ponzi que abalou Hollywood: a ascensão e a queda de William Santor

O “rei” das Caimão que prometia luz verde a filmes

Hoje foi destaque no Hollywood Reporter, a investigação sobre um esquema de Ponzi que abalou toda a Indústria de Hollywood.

Durante anos, William Santor foi o financiador-milagre do cinema independente. Afável, pouco interventivo na criação e, sobretudo, com cheque em branco, tornou-se presença constante em rodagens nos Caribe e anfitrião de jantares de luxo. Através da sua empresa Productivity Media Inc. (PMI), atraiu nomes como Ron Perlman e transformou as Ilhas Caimão num improvável hub de filmagens. Parecia imbatível — até o castelo ruir.

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Como funcionava a máquina

A PMI especializou-se no financiamento-ponte, alavancando créditos fiscais reembolsáveis no Canadá (que devolvem dinheiro mesmo sem passivo fiscal), presales e direitos de distribuição. Na teoria, um modelo que dilui risco num setor volátil; na prática, segundo os processos em insolvência em Ontário, um esquema com “corporações impostoras”e-mails e sites falsos e desvios de fundos.

Os números avançados variam conforme as peças processuais e auditorias: pelo menos 31,7 milhões de dólares em valores alegadamente apropriados indevidamente, chegando a mais de 44 milhões em estimativas forenses posteriores.

O laboratório das Caimão

O ponto de viragem deu-se na pandemia. De férias nas Caimão quando o arquipélago fechou, Santor viu ali um “estúdio natural”: em dois anos, apoiou meia dúzia de longas (orçamentos entre 5 e 10 milhões), levando equipas canadianas em jatos fretados e contando com portas abertas do lado governamental. Dali saíram títulos como The Baker (com Ron Perlman), The Retirement Plan (com Nicolas Cage) e Unit 234 (com Don Johnson). Paralelamente, a PMI já somava créditos em indies de culto como The Little Hours (2017) e Black Bear (2020).

Sinais de alarme e queda em espiral

No fim de 2023, começaram as bandeiras vermelhas: pedidos de confirmação de empréstimos “que não existiam”, cheques não depositados e contas que não batiam certo entre projetos. Em 2024, a PMI foi para tribunal de insolvência, um receiver travou a alienação de bens nas Caimão (imóveis, contas, joias, vinhos, relógios e até um Bentley Bentayga) e multiplicaram-se as denúncias internas sobre bibliotecas sobrevalorizadas e desvio de receitas de distribuição para contas pessoais.

A morte e o choque da indústria

William Santor morreu a 28 de dezembro de 2024, aos 50 anos, após ter sido encontrado inanimado na sua casa nas Ilhas Caimão e transportado para o hospital local, onde foi declarado óbito. As autoridades falaram em investigação em curso. A notícia ganhou ampla repercussão no início de 2025, ao mesmo tempo que se acumulavam relatos judiciais sobre a dimensão das perdas.

Entre os lesados contam-se reformados canadianos de classe trabalhadora (canalizadores, eletricistas, serralheiros, telhadores), profissionais locais das Caimão e criativos de Hollywood. Santor deixou esposa e duas filhas. Tinha créditos como produtor em títulos por estrear, como Littlemouth (Dennis Quaid) e It Feeds (Ashley Greene), rodados antes do colapso.

Porque é que Hollywood caiu nisto (outra vez)?

A história de Santor junta-se a uma longa linhagem de financiamentos opacos no indie: quando o “greenlight”tradicional se afasta, o dinheiro rápido e sem “amarras criativas” torna-se isco perfeito. A corrida global aos incentivos fiscais criou uma geografia financeira complexa; sem due diligence independente, o brilho de um benfeitor pode encandear até os mais experientes.

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O que fica por apurar

Os tribunais continuam a desmontar a teia de empresas-fantasma e pagamentos em cadeia típicos de um padrão Ponzi. As responsabilidades individuais de antigos gestores e parceiros ainda são matéria de litígio. O certo é que a “terra prometida” de Santor nas Caimão deixou um rasto de milhões perdidos e projetos suspensos — e uma lição cara sobre governançaauditorias de terceiros e verificação de fluxos de caixa antes do “ação!”.