Há cenas de cinema que ficam gravadas na memória colectiva como se fossem rituais de época. Uma delas acontece em Sozinho em Casa, quando Kevin McCallister, o miúdo esquecido pela família no Natal, atravessa orgulhoso as portas de um supermercado carregado de sacos. Interpretado por Macaulay Culkin, Kevin sai dali com leite, sumo de laranja, pão, refeições congeladas, detergente, papel higiénico e até soldados de brincar… tudo por apenas 19 dólares e 83 cêntimos. Uma pechincha cinematográfica que, 35 anos depois, se tornou quase ficção científica.
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Nos últimos anos, o valor daquela compra voltou a circular nas redes sociais como símbolo de um tempo em que o dinheiro “esticava” mais. E não é apenas nostalgia: refazer exactamente o mesmo carrinho em 2025 dá um resultado bem diferente. Usando preços actuais de um supermercado próximo da zona suburbana de Chicago onde vive a família McCallister, o total chegaria hoje aos 53,95 dólares — ou 52,95 com o famoso cupão de desconto que Kevin apresenta com ar triunfante. Um aumento de cerca de 167% em pouco mais de três décadas.
O carrinho original incluía meia-garrafa de leite, meia-garrafa de sumo de laranja, um pão branco grande, um jantar de micro-ondas, massa com queijo congelada, detergente líquido Tide, película aderente, folhas para a máquina de secar, papel higiénico e um saco de soldados de brinquedo. Nada de luxos, nada de produtos gourmet. Ainda assim, o choque de preços diz muito sobre a evolução do custo de vida — e ajuda a explicar porque é que aquela cena hoje provoca tanto espanto.
Entre 2019 e 2024, os preços dos alimentos para consumo em casa nos Estados Unidos subiram mais de 27%, segundo o índice de preços ao consumidor. O período mais agressivo coincidiu com a pandemia, quando rupturas nas cadeias de abastecimento, aumento dos custos energéticos, falta de mão-de-obra e instabilidade global empurraram os preços para cima. O ritmo da inflação abrandou, mas os valores nunca regressaram ao ponto de partida.
Alguns produtos tornaram-se símbolos desse aumento. Os ovos mais do que duplicaram de preço em certos momentos, o pão encareceu devido aos custos do trigo e do combustível, e o café sofreu com fenómenos climáticos que afectaram grandes produtores mundiais. A carne seguiu o mesmo caminho, com secas e redução dos efectivos de gado a pressionarem a oferta. Até o leite, presença constante no cinema familiar americano, subiu de forma consistente.
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Visto à distância, Sozinho em Casa ganha uma camada inesperada de leitura: além de clássico natalício, tornou-se uma cápsula do tempo económica. A ingenuidade daquela ida às compras — com um miúdo de oito anos a gerir sozinho a despensa — hoje parece quase tão improvável quanto as armadilhas caseiras que Kevin monta para travar os ladrões. Talvez por isso o filme continue a regressar todos os Natais: não apenas pela comédia e pelo coração, mas porque nos lembra um mundo que, para muitos, já parece pertencer a outro século.
