Desde a estreia de Avengers: Endgame em 2019, o Universo Cinematográfico da Marvel vive numa espécie de ressaca prolongada. O filme, que arrecadou uns impressionantes 2,8 mil milhões de dólares em todo o mundo, não foi apenas o culminar de uma saga — para muitos espectadores, funcionou também como um ponto final emocional. A partir daí, algo mudou.
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É verdade que ainda surgiram fenómenos pontuais, como Spider-Man: No Way Home ou o mais recente Deadpool & Wolverine, mas esses sucessos tornaram-se excepções num percurso cada vez mais irregular. A própria promoção de Avengers: Doomsday assume isso sem pudor, apostando forte na nostalgia e no regresso de figuras clássicas como Steve Rogers, interpretado por Chris Evans. A mensagem é clara: os novos heróis ainda não chegaram ao mesmo patamar emocional.
O problema não é só “demasiado conteúdo”
Internamente, a explicação oficial aponta para a chamada “diluição da marca”. Bob Iger já admitiu que a avalanche de séries e filmes associados ao Disney+ pode ter enfraquecido o impacto do MCU. Há verdade nisso, mas os números revelam algo ainda mais preocupante.
Quando se analisam os intervalos entre a primeira, segunda e terceira aparição dos heróis nas diferentes fases do MCU, o padrão é evidente: os personagens das Fases 1 a 3 regressavam muito mais depressa, permitindo ao público criar laços, acompanhar arcos narrativos e investir emocionalmente.
Nas Fases 1 a 3, o intervalo médio entre a estreia de um herói e o seu regresso rondava dois anos. Já na Fase 4, esse intervalo sobe para mais de três anos, com ainda mais tempo entre a segunda e a terceira aparição — quando esta acontece.
Novos heróis apresentados… e abandonados
Este atraso tem consequências claras. O público conhece uma nova personagem, simpatiza com ela, e depois… espera. Durante anos. Em alguns casos, sem qualquer sinal de continuidade.

Shang-Chi, interpretado por Simu Liu, é talvez o exemplo mais gritante. Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings foi um sucesso em plena pandemia, mas o herói só voltará ao grande ecrã seis anos depois, em Avengers: Doomsday. Seis anos é uma eternidade na cultura popular contemporânea.
O mesmo sucede com Kate Bishop, vivida por Hailee Steinfeld. Hawkeye teve uma recepção muito positiva, mas desde 2021 não houve qualquer desenvolvimento concreto da personagem em imagem real.
Até projectos televisivos sofreram do mesmo mal. Houve três anos de espera entre WandaVision e a série centrada em Agatha Harkness, e quase o mesmo com Ironheart, cuja série ficou concluída muito antes de finalmente ver a luz do dia.
A excepção que confirma a regra

Curiosamente, há uma personagem da Fase 4 que parece ter beneficiado de uma estratégia mais próxima do “velho” MCU: Yelena Belova, interpretada por Florence Pugh. A sua presença em Black Widow e Hawkeye no mesmo ano ajudou a solidificar a personagem, criando continuidade e empatia. Ainda assim, só quatro anos depois voltou a assumir um papel central em Thunderbolts.
Não é coincidência que seja uma das poucas novas figuras que realmente ganhou peso cultural.
O que a Marvel parece ter esquecido
O erro da Marvel não foi apenas apresentar demasiados heróis. Foi apresentá-los e não os acompanhar. O público não cria ligação emocional com personagens descartáveis ou intermitentes. Iron Man, Captain America ou Thor não se tornaram ícones por acaso: regressavam regularmente, cruzavam-se com outros heróis e evoluíam diante dos nossos olhos.
Com Avengers: Secret Wars no horizonte e a inevitável chegada dos X-Men a preparar uma nova saga, o risco repete-se. Se a Marvel não reaprender a investir tempo nas personagens que cria, continuará a viver de memórias em vez de construir o futuro.
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Menos lançamentos pode ser uma boa decisão. Mas menos pressa e mais continuidade será, provavelmente, a única forma de devolver ao MCU a relevância emocional que já teve.
