Voando Sobre um Ninho de Cucos  Faz 50 Anos — e Michael Douglas Recorda o Filme Que Mudou Tudo


“A minha parte do cachet de produtor dei-a ao meu pai”: meio século depois, o espírito de rebeldia continua intacto

Há filmes que envelhecem. Outros transformam-se em documentos do seu tempo. E depois há casos raros como Voando Sobre um Ninho de Cucos (One Flew Over the Cuckoo’s Nest), que não pertencem a época nenhuma — pertencem a todas. Cinquenta anos depois da estreia, o clássico realizado por Miloš Forman continua a ecoar com uma força quase desconfortável, num mundo cada vez mais marcado por autoritarismos, instituições opressivas e a eterna luta entre o indivíduo e o sistema.

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Para Michael Douglas, hoje com 81 anos, o filme não é apenas um marco da história do cinema. É também o momento em que deixou de ser “o filho de Kirk Douglas” para se afirmar como produtor — numa estreia que poucos ousariam repetir com tamanha ambição… e risco.

Um filme nascido da rebeldia (e da persistência)

Quando Michael Douglas decidiu avançar com Voando Sobre um Ninho de Cucos, tinha apenas 31 anos e uma carreira ainda fortemente moldada pelo clima político da Guerra do Vietname. O projecto parecia-lhe natural: uma história de resistência, de confronto com o poder instituído, de liberdade individual esmagada por mecanismos burocráticos.

Os direitos do romance de Ken Kesey, publicado em 1962, tinham sido adquiridos anos antes por Kirk Douglas, que chegou a interpretar Randle McMurphy numa adaptação teatral em 1963. Durante muito tempo, Kirk tentou levar a história ao cinema — sem sucesso. Cansado, decidiu vender os direitos. Foi aí que Michael pediu para assumir o projecto.

“Eu nunca tinha pensado em ser produtor”, recorda. “Mas pedi para tentar. E o meu pai foi generoso o suficiente para deixar.” O gesto teve consequências inesperadas: Michael entregou a sua parte do cachet de produtor ao pai, que acabou por ganhar mais dinheiro com o filme do que com qualquer outro da sua carreira. Ainda assim, Kirk Douglas nunca escondeu a desilusão por não ter interpretado McMurphy no cinema — um papel que acabaria por se tornar indissociável de Jack Nicholson.

Miloš Forman, Jack Nicholson e um casting irrepetível

Depois de um primeiro guião falhado escrito pelo próprio Kesey, o projecto começou finalmente a ganhar forma com o argumentista Lawrence Hauben e, sobretudo, com a escolha de Miloš Forman, cineasta checo então exilado nos Estados Unidos. Ao contrário de outros realizadores, Forman discutiu o guião página a página com Douglas — uma franqueza que o convenceu de imediato.

A espera de seis meses por Jack Nicholson revelou-se providencial, permitindo um casting mais alargado e certeiro. Danny DeVito foi o primeiro a entrar, mas a escolha de Will Sampson como o Chefe Bromden tornou-se lendária: um encontro quase acidental que parecia saído de um mito de Hollywood. Quando Nicholson o viu pela primeira vez, percebeu-se que tinham encontrado algo irrepetível.

O mesmo aconteceu com Louise Fletcher no papel da enfermeira Ratched. Numa época em que vilãs femininas eram mal vistas em Hollywood, várias actrizes recusaram o papel. Fletcher aceitou — e criou uma das personagens mais perturbadoras da história do cinema.

Um hospital real, pacientes reais, verdade real

O filme foi rodado num hospital psiquiátrico em funcionamento, no Oregon, durante o Inverno. Muitos pacientes foram integrados na produção, incluindo membros da equipa técnica. Os actores participaram em sessões reais de terapia de grupo, assistiram a tratamentos de electrochoque e viveram durante semanas naquele ambiente.

O objectivo de Forman era claro: naturalismo absoluto. Nada de exageros, nada de “loucos caricaturais”. Brad Dourif, que interpretou Billy Bibbit, recorda a insistência do realizador: “Natural, natural”. Para Forman, o verdadeiro terror estava na normalidade — na ideia de que aquelas pessoas não estavam assim tão longe do mundo exterior.

Um triunfo improvável que fez história

Recusado por todos os grandes estúdios, Voando Sobre um Ninho de Cucos tornou-se um fenómeno. Em 1976, venceu os chamados “Big Five” dos Óscares: Melhor Filme, Realização, Actor, Actriz e Argumento — um feito raríssimo. Até Steven Spielberg, cujo Tubarão concorria no mesmo ano, admitiu que teria votado em Cuckoo’s Nest para Melhor Filme.

Mais do que prémios, o filme deixou um legado: um final inesquecível, uma metáfora poderosa sobre liberdade e um grito contra o esmagamento da individualidade pelas instituições.

Cinco décadas depois, Michael Douglas resume melhor do que ninguém:

“Foi um daqueles filmes em que tudo funcionou. Aprendi mais com este projecto do que com qualquer outro. E continuo orgulhoso por falar dele 50 anos depois.”

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Poucos filmes podem dizer o mesmo.