“Rental Family”: O Filme com Brendan Fraser que Expõe a Solidão Moderna Através de Relações “Por Aluguer”

A obra de Hikari mergulha num fenómeno real no Japão e transforma-o num retrato comovente sobre perda, pertença e a procura desesperada de ligação humana.

O conceito parece retirado de uma ficção sombria, mas existe mesmo: serviços que permitem “alugar” familiares, amigos ou acompanhantes para momentos específicos da vida. No Japão, esta prática — simultaneamente transaccional e emocional — tem alimentado artigos, livros e estudos sociológicos. Agora chega também ao cinema através de “Rental Family”, o novo filme de Hikari, com Brendan Fraser no papel principal.

A longa-metragem, que passou pelo Festival Internacional de Cinema de Tóquio e estreou nos EUA esta sexta-feira (chega a portugal em 26 de Janeiro e ao Japão a 27 de Fevereiro de 2026), acompanha Phillip, um actor norte-americano em dificuldades que vive em Tóquio e decide trabalhar para uma agência chamada Rental Family. O que começa como um emprego peculiar rapidamente se transforma numa viagem íntima pela vida dos clientes — e pela dele próprio.

Mari Yamamoto: uma actriz movida pela empatia — e marcada pelo luto

Entre os destaques do elenco está Mari Yamamoto, actriz e argumentista japonesa, que interpreta Aiko, uma funcionária da agência. A actriz revelou que foi atraída pela personagem por esta representar alguém capaz de cuidar profundamente dos outros, mesmo quando isso exige ir “mais além”.

Aiko chegou-lhe num momento frágil: Yamamoto enfrentava um processo de luto pessoal. O guião, profundamente humano, tornou-se uma espécie de catarse:

“O argumento era incrivelmente belo. Eu estava a atravessar uma perda e tocou-me muito perceber que há esperança — que é possível encontrar pessoas que cuidam de nós.”

O seu passado como jornalista surgiria como uma mais-valia inesperada: ajudou-a a investigar, a observar e a construir a vida interior da personagem com precisão quase documental.

“O jornalismo procura a verdade factual; a representação procura a verdade emocional. Construo uma personagem como escrevia um artigo: tijolo a tijolo.”

Uma realidade muito mais próxima do que parece

Para compor Aiko, Yamamoto e o actor Takehiro Hira — que interpreta o dono da agência — visitaram uma empresa real que oferece serviços semelhantes aos de uma “família de aluguer”. A experiência ajudou a solidificar o conceito e a perceber como estas relações funcionam na prática.

Durante as filmagens, Yamamoto confrontou-se também com notícias reais que ecoavam directamente a narrativa. A caminho do set, leu sobre duas mulheres japonesas que receberam estatuto de refugiadas no Canadá devido à discriminação que sofreram por serem um casal. Esse detalhe aproximou-a ainda mais da história: no filme, Phillip tem como primeiro trabalho interpretar o noivo numa cerimónia falsa para ocultar o relacionamento homossexual de uma cliente. A coincidência cortou-lhe o coração — e confirmou-lhe que este era um filme necessário.

Quando a terapia não é opção: o estigma da saúde mental no Japão

No enredo, Phillip questiona o porquê de tantas pessoas recorrerem a uma “família por aluguer” em vez de procurar apoio psicológico. A resposta é simples — e real:

“Muitos não podem. A saúde mental ainda é fortemente estigmatizada no Japão.”

O filme sublinha que, num país onde 38% dos agregados eram compostos por apenas uma pessoa em 2020 (e poderão ser 44,3% em 2050), a solidão tornou-se um problema nacional. Uma sondagem recente indica que 39% dos japoneses se sentem sós com frequência.

Para Yamamoto, criticar estes serviços é ignorar a realidade:

“Prefiro que exista um sítio para onde as pessoas possam ir, em vez de caírem nas falhas da solidão. Ninguém está imune a ela.”

Entre dois mundos: a própria solidão de Yamamoto

Filha de duas culturas — Japão e Reino Unido — Yamamoto cresceu a sentir-se deslocada. Quando regressou ao Japão, descobriu que já não correspondia às expectativas de uma sociedade onde a conformidade é norma.

“Era demasiado crítica e demasiado directa. Não encaixava.”

Ao viver nos EUA, percebeu que o Ocidente também não tinha respostas para tudo. Hoje, reconhece os méritos e falhas de ambos os mundos. E essa compreensão torna Rental Family ainda mais pessoal:

“Não há soluções universais. Cada cultura precisa de enfrentar os seus desafios à sua maneira.”

Um filme sobre solidão — mas também sobre humanidade

No fundo, Rental Family é menos sobre serviços artificiais e mais sobre a profunda necessidade humana de pertença. Hikari conduz essa reflexão com delicadeza, e Brendan Fraser — que continua numa fase artística extraordinária — entrega uma interpretação tocante, silenciosa, mas cheia de vida interior.

É um daqueles filmes que parecem pequenos por fora, mas gigantes por dentro — e que falam de uma verdade que, de tão óbvia, dói: ninguém devia enfrentar a vida sozinho.