The Six Billion Dollar Man: O Documentário Mais Perturbador de 2025 Sobre Julian Assange

Eugene Jarecki desmonta, com frieza cirúrgica, a máquina de poder que fez da destruição de Assange uma prioridade global

Há documentários que informam. Outros que indignam. The Six Billion Dollar Man, realizado por Eugene Jarecki, faz algo mais inquietante: arrefece o sangue. Não tanto pela figura de Julian Assange, mas pela clareza com que expõe um sistema vasto, articulado e implacável onde se cruzam Estados, serviços secretos, interesses privados e uma hostilidade mediática persistente. O resultado é, sem exagero, um dos filmes mais perturbadores de 2025.

ler também : Melania: Amazon Revela Trailer do Documentário sobre a Primeira-Dama

Curiosamente, Assange é quase uma presença fantasmagórica ao longo das mais de duas horas de duração. É falado, analisado, perseguido — mas raramente visto. Essa ausência funciona como estratégia narrativa: Jarecki usa o vazio deixado pela figura central para alargar o foco e contar uma história maior, sobre como funciona o poder quando decide esmagar alguém. O documentário não é um retrato de personalidade; é uma autópsia política.

O filme revisita inevitavelmente os momentos mais conhecidos da trajectória de Assange e do WikiLeaks: o impacto sísmico do vídeo Collateral Murder, as revelações sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, e a divulgação massiva de telegramas diplomáticos que colocaram governos inteiros em estado de alerta. Jarecki não se limita a recapitular factos. Vai mais fundo, cruzando documentos, testemunhos e padrões de actuação que revelam até que ponto Assange se tornou um alvo prioritário para forças muito além da esfera judicial.

Um dos momentos mais explosivos do documentário prende-se com as acusações de violação na Suécia, em 2010. Durante anos, este caso funcionou como um elemento tóxico no debate público, frequentemente usado para descredibilizar Assange. The Six Billion Dollar Man apresenta entrevistas anonimizadas e mensagens trocadas à época pelas duas mulheres envolvidas, sugerindo algo profundamente perturbador: nenhuma delas acusou Assange de violação, e ambas demonstraram preocupação com a forma como as autoridades estavam a orientar os seus depoimentos.

Aquilo que durante anos circulou como suspeita surge aqui documentado de forma rigorosa: o caso parece ter sido moldado tanto por conveniência política como por factos concretos. Não se trata de absolver ou condenar, mas de demonstrar como processos judiciais podem ser instrumentalizados quando se tornam úteis a agendas mais amplas.

Ainda mais inquietante é o capítulo dedicado ao período em que Assange esteve refugiado na embaixada do Equador em Londres. Jarecki expõe como a empresa de segurança espanhola UC Global, contratada para garantir a protecção do fundador do WikiLeaks, acabou por transformar o espaço num verdadeiro laboratório de vigilância. Um antigo funcionário — assumidamente a fonte-chave do documentário — descreve um ambiente digno de um thriller paranoico: gravações clandestinas, recolha sistemática de dados, conversas sobre possíveis envenenamentos e até a captação de encontros íntimos.

Segundo o filme, esse material era depois transferido para um endereço IP nos Estados Unidos, localizado no Venetian Hotel, em Las Vegas, propriedade do magnata Sheldon Adelson, um dos maiores financiadores de Donald Trump. Jarecki não precisa de sublinhar ironias; elas impõem-se sozinhas.

Outro momento devastador envolve Sigurdur “Siggi” Thordarson, a principal testemunha da acusação norte-americana contra Assange. Condenado por crimes graves, incluindo abuso sexual de menores, Thordarson admite em frente à câmara que inventou partes essenciais do seu testemunho, nomeadamente a alegação de que Assange o teria instruído a piratear sistemas parlamentares da Islândia. Quando confrontado, encolhe os ombros: diz que “já não se lembra”.

É aqui que o documentário se torna verdadeiramente desconcertante. Mesmo para quem nunca teve grande simpatia por Julian Assange, The Six Billion Dollar Man obriga a encarar uma realidade difícil de ignorar: os mecanismos utilizados para o perseguir são, eles próprios, profundamente alarmantes. Doze anos de confinamento, vigilância constante, manipulação judicial e mediática — tudo isto é apresentado não como excepção, mas como método.

Jarecki não esconde a sua empatia pelo protagonista, mas isso não enfraquece o filme. Pelo contrário, torna-o mais claro naquilo que realmente importa: se este aparelho de poder pode ser activado contra Assange, pode sê-lo contra qualquer outro. A questão central deixa de ser se gostamos ou não da personagem, e passa a ser se estamos confortáveis com o mundo que o documentário revela.

ler também : Trump Avança com Processo de 10 Mil Milhões contra a BBC por Edição de Discurso de 6 de Janeiro

The Six Billion Dollar Man não procura fechar debates. Abre-os. E fá-lo de forma metódica, inquietante e impossível de ignorar.

Não há data prevista para a estreia em Portugal, mas poderá ser vista em streaming no Mubi.