Veneza Celebra Werner Herzog: O “Soldado do Cinema” Que Fez da Loucura Arte

O Festival de Veneza abriu a sua 82.ª edição com uma homenagem a um dos mais ousados, visionários e, para muitos, insanos cineastas do último século: Werner Herzog. O realizador alemão recebeu o Leão de Ouro pela carreira, entregue por ninguém menos que Francis Ford Coppola, que lhe dedicou palavras de amizade e admiração ao recordar mais de 50 anos de cumplicidade criativa.

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“Se Werner tem algum limite, não sei onde fica”, disse Coppola, recordando como chegou a apresentá-lo à sua atual companheira, Lena. Ao receber o prémio, Herzog emocionou-se: “Queria ser um bom soldado do cinema, e isso significa perseverança, lealdade, coragem e sentido de dever. Trabalhei sempre para levar algo transcendental ao ecrã.”

O cineasta que levou o cinema ao extremo

Herzog construiu uma filmografia marcada pelo risco, pela obsessão e pela procura constante de imagens inéditas. Desde os tempos em que arrastou um barco de 300 toneladas por uma montanha na Amazónia em Fitzcarraldo (1982), até filmagens em vulcões, desertos, glaciares e até na selva angolana, onde rodou recentemente Ghost Elephants (apresentado em Veneza), o realizador mostrou uma dedicação que beira a loucura.

Entre ficção e documentário, já soma mais de 70 filmes. Deu-nos obras icónicas como Aguirre, o Aventureiro (1972), Nosferatu, o Vampiro (1978), O Enigma de Kaspar Hauser (1974) e Grizzly Man (2005). Foi ainda nomeado ao Óscar com Encounters at the End of the World (2007).

A relação explosiva com Klaus Kinski

Herzog também ficou célebre pela sua tumultuosa parceria com o ator Klaus Kinski, com quem rodou cinco filmes e partilhou uma convivência marcada por génio e desvario. Entre ameaças de morte e confrontos físicos, nasceu uma das colaborações mais intensas da história do cinema, retratada pelo próprio em O Meu Melhor Inimigo (1999).

Da Baviera ao mundo

Nascido em Munique em 1942, filho da guerra e da pobreza, Herzog filmou a primeira curta aos 15 anos com uma câmara roubada. Desde então, percorreu um caminho único: foi um dos nomes centrais do Novo Cinema Alemão ao lado de Wim Wenders e Volker Schlöndorff, mas rapidamente se tornou um aventureiro global, cruzando fronteiras e géneros.

Em Veneza, Herzog é celebrado não apenas pelo radicalismo das suas filmagens, mas por ter levado o cinema para lugares onde quase ninguém ousaria. Um herdeiro do romantismo alemão que soube transformar o caos humano em arte, a obsessão em beleza e a loucura em transcendência.

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Como disse Coppola, talvez ninguém saiba onde estão os limites de Werner Herzog. Talvez porque, no seu caso, simplesmente não existem.

🎬 Werner Herzog Vai Receber Leão de Ouro em Veneza — Mas Reformado é que Ele Não Está!

O lendário realizador alemão Werner Herzog vai ser homenageado com o Leão de Ouro de carreira na 82.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, a decorrer entre 27 de agosto e 6 de setembro. A distinção celebra uma vida inteira de cinema ousado, físico, profundamente humano… e muitas vezes, um bocadinho louco (no melhor dos sentidos). 🦁

Herzog, conhecido por obras como Fitzcarraldo (1982), Aguirre, o Aventureiro (1972), Nosferatu, o Vampiro (1979) ou o perturbador documentário Grizzly Man (2005), é descrito pela organização do festival como “um cineasta físico e um caminhante incansável”. Nada mal para quem já conta 82 anos de idade — e ainda está, literalmente, a correr o mundo a filmar.

Um Romântico do Absurdo

Segundo Alberto Barbera, diretor do Festival de Veneza, Herzog é “o último herdeiro da grande tradição do romantismo alemão, um humanista visionário e um explorador incansável, em perpétua deambulação, à procura — nas suas próprias palavras — ‘de um lugar decente para a Humanidade, uma paisagem para a alma’”. 💫

Mais do que palavras bonitas, esta homenagem reconhece uma carreira singular, marcada por obras desafiantes e por um olhar profundamente filosófico sobre o homem, a natureza e o absurdo da existência. Herzog filmou no meio da selva, em desertos, nas profundezas do gelo, e até nos limites do espaço (literal e metaforicamente).

Um “reformado” muito ativo 📽️

Se alguém pensa que o Leão de Ouro de carreira significa que Herzog está pronto para pendurar a câmara… pense outra vez. O realizador terminou há poucas semanas o documentário Ghost Elephants, rodado em África, e está atualmente na Irlanda a filmar uma nova longa-metragem de ficção, com o sugestivo título Bucking Fastard (sim, é mesmo isso que está a pensar 🤭).

E há mais: Herzog está a desenvolver um filme de animação baseado no seu livro O Crepúsculo do Mundo, publicado também em Portugal, e emprestará a sua voz inconfundível a um projeto animado do sul-coreano Bong Joon Ho(Parasitas). Aos 82 anos, continua mais produtivo do que muitos realizadores na flor da idade — e, felizmente, tão imprevisível como sempre.

Um Legado Literário Também Presente em Portugal 📚

Além do cinema, Herzog tem uma faceta menos conhecida mas igualmente fascinante: a escrita. Em Portugal estão publicados vários dos seus livros, incluindo:

  • O Crepúsculo do Mundo
  • A Conquista do Inútil
  • Caminhar no Gelo
  • Cada Um Por Si e Deus Contra Todos

Todos eles mergulham no seu universo interior — ora contemplativo, ora inquieto — e oferecem novas janelas para perceber o que o move artisticamente. São obras tão singulares como os seus filmes, escritas com o mesmo olhar febril que o leva a filmar cascatas selvagens, homens em conflito com a natureza ou… ursos assassinos.

Um Leão Merecido

O Leão de Ouro é, sem dúvida, um dos prémios mais justos da temporada. Não apenas por tudo o que Werner Herzog já fez, mas também por aquilo que ainda está a fazer — e promete continuar a fazer. A sua carreira é um lembrete constante de que o cinema, quando feito com paixão, não conhece limites. Nem idade.

🎥 Bravo, Herzog. E que venha o próximo filme.

Werner Herzog: “A Inteligência Artificial Nunca Será Tão Boa Como Eu”

O lendário cineasta alemão Werner Herzog, conhecido pelas suas produções ousadas e por uma personalidade desafiadora, deixou clara a sua posição em relação à Inteligência Artificial (IA). Durante a apresentação de uma retrospetiva da sua obra no Centro Georges Pompidou, em Paris, Herzog não poupou ironia: “A IA é uma ferramenta fantástica… mas para agentes imobiliários.”

Uma Ferramenta, Não um Criador de Histórias

Aos 82 anos, Herzog continua ativo e irreverente. Além de apresentar a retrospetiva “Aventuras dos Anos 2010 e 2020”, o realizador está também a lançar um filme baseado nos arquivos dos vulcanólogos Katia e Maurice Krafft e a promover as suas memórias, agora disponíveis em francês com o título “Chacun pour soi et Dieu contre tous” (Cada Um por Si e Deus Contra Todos, em tradução literal).

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Sobre o papel da IA no cinema, Herzog é categórico:

“A IA tenta escrever guiões. Pode fazer isso. Se forem estereótipos, pode conseguir. Até fazer filmes, mas nunca conseguirá fazer filmes tão bons como os meus. A IA é demasiado estúpida para isso!”

Herzog acredita que, apesar das tentativas de utilização da IA para criar histórias, todas acabarão por falhar. Para ele, a narrativa humana, com toda a sua complexidade e sensibilidade, está fora do alcance da tecnologia:

“A IA é perfeita para nos vender casas, mostrar uma visita virtual com uma cozinha atrás e o oceano pela janela. Mas não é uma ferramenta para contar histórias.”

Um Realizador de Obra Incomparável

Herzog tornou-se uma lenda do cinema por obras monumentais como “Aguirre, o Aventureiro” (1972), filmado em condições extremas na selva, e “Fitzcarraldo” (1982), onde fez subir um navio de 300 toneladas por uma montanha. Estes projetos, frequentemente considerados excêntricos ou loucos, definiram a sua reputação como um dos grandes nomes do Novo Cinema Alemão.

Mesmo com uma filmografia tão vasta, Herzog lamenta que muitos desconheçam os seus trabalhos mais recentes:

“Às vezes, as pessoas acreditam que não filmei nada desde ‘Fitzcarraldo’, mas fiz pelo menos 27 filmes desde então!”

Entre esses trabalhos, destaca-se o documentário em 3D “A Gruta dos Sonhos Perdidos” (2010), uma homenagem à descoberta das pinturas rupestres da gruta de Chauvet, que Herzog descreve como o momento em que “a alma humana acordou”.

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O Legado e a Posteridade

Ao longo de toda a carreira, Herzog manteve um interesse pelos marginalizados, pelos temas existenciais e pela busca por imagens inéditas que desafiam a perceção humana. Questionado sobre o seu legado, o realizador refuta qualquer ambição de imortalidade:

“Não me preocupo muito com a posteridade. Não há vaidade nem ambição em mim.”

Ainda assim, criou recentemente uma fundação para preservar os seus filmes, assumindo que esta é uma responsabilidade que transcende a sua própria existência:

“Isto durará muito para além da minha própria existência, e aceitei isso. Faz parte do meu dever como cineasta.”

Um Cineasta Contra o Tempo Moderno

Herzog reafirma o seu lugar como um artista singular, que resiste às tendências tecnológicas e defende a autenticidade do cinema enquanto expressão humana. Enquanto muitos debatem o impacto da IA na sétima arte, Herzog, fiel à sua visão irreverente e provocadora, conclui com confiança:

“A IA nunca será tão boa como eu.”

O seu trabalho, marcado por uma dedicação à experiência humana e à imprevisibilidade do real, permanece uma referência incontornável no cinema mundial.