“Eddington”: Ari Aster Transforma a Pandemia Num Western de Horror Satírico e Não Há Máscara Que Nos Proteja Disto

🎬 Enquanto muitos de nós passávamos o confinamento a fazer pão de massa mãe ou a ver Tiger King, Ari Aster estava a escrever um western. Mas não um western qualquer — Eddington, o seu novo filme, é um mergulho absurdo, violento e profundamente desconfortável no inferno social e político que foi (e ainda é) viver num mundo pós-2020.

ver também:“Dead City” Vai Sobreviver Mais Um Inverno: Spin-off de The Walking Dead Renovado Para Terceira Temporada

Um western na era dos vírus… e dos virais

A história passa-se em Nova Iorque? Não. Los Angeles? Nem por isso. Em Eddington, tudo acontece numa pequena cidade fictícia do Novo México, onde o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix) decide concorrer à câmara contra o popular presidente Ted Garcia (Pedro Pascal). O que começa como uma rixa política evolui para um confronto pessoal que explode nas redes sociais e se alastra às ruas.

O uso de máscaras, os conflitos raciais, o culto da desinformação e o espectro constante da violência são explorados de forma sarcástica, brutal e por vezes surreal — tudo em pleno confinamento, com personagens que parecem saídas de um feed de Twitter particularmente inflamado.

A verdadeira infecção? As redes sociais

Para construir este cenário apocalíptico mas reconhecível, Aster mergulhou no mundo digital: criou várias contas em redes sociais para compreender os diferentes “algoritmos ideológicos” e anotou obsessivamente comportamentos e frases durante o confinamento. O resultado é uma galeria de personagens tão caricatas quanto trágicas:

  • Louise (Emma Stone), mulher do xerife, dividida entre a mãe conspiracionista (Deirdre O’Connell) e o líder carismático de um culto à la QAnon (Austin Butler);
  • O vice-xerife negro (Micheal Ward), envolvido nas manifestações após o caso George Floyd;
  • Um adolescente activista de fachada (Cameron Mann), mais interessado em impressionar uma rapariga do que em mudar o mundo.

“A crítica não é às personagens, é à tecnologia que as distorce”, explica Aster. Eddington é, acima de tudo, um retrato do colapso comunicacional — um mundo onde ninguém consegue sequer concordar sobre o que está a acontecer.

Um vírus invisível, mas omnipresente

Curiosamente, muito poucos personagens estão doentes com COVID no filme. Como o próprio realizador resume: “Há muitos vírus em Eddington. Muitos virais.” A pandemia é mais pano de fundo do que tema central — mas a sua presença é esmagadora, não pelos sintomas físicos, mas pela fratura social irreversível que desencadeou.

Há ainda uma segunda ameaça a pairar sobre a cidade: um centro de dados alimentado por inteligência artificial a ser construído às portas de Eddington. O futuro parece tão distópico como o presente, com Aster a sugerir que estamos apenas a viver uma crise enquanto outra, ainda maior, fermenta nos bastidores.

Ari Aster, o profeta do apocalipse moderno?

Com Hereditário e Midsommar, Aster reinventou o horror com um toque de elegância e perturbação psicológica. Em Beau Is Afraid, levou-nos à beira do absurdo existencial. Agora, com Eddington, parece querer dizer: o verdadeiro terror já aconteceu — e ninguém sabe como lidar com isso.

Durante a pandemia, encontrou consolo nas caminhadas e nos livros. Mas admite que escreveu este guião “em estado de ansiedade e de pânico, que só tem aumentado”. E confessa estar desesperado por uma visão do futuro que não seja dominada pelo medo.

Por enquanto, oferece-nos Eddington — um espelho deformado da sociedade moderna, onde o western clássico se cruza com sátira política, comédia negra e a angústia de uma época que ainda não digerimos por completo.

ver também : Krypto Está a Salvar o Dia… e a Levar Centenas de Cães para Casa nos EUA 🐾🦸‍♂️

E quanto a uma sequela? “Está a borbulhar na minha cabeça… mas gostava apenas de viver numa altura menos estranha, por favor”, diz, entre risos nervosos. Se fosse outra pessoa, riríamos com ele. Mas vindo de Ari Aster, ficamos antes à espera do próximo pesadelo.

Cannes Entre o Génio e o Escândalo: 7 Filmes Que Dividiram o Festival 🎬🔥

De ovação a vaias, de lágrimas a saídas a meio: quando Cannes vira campo de batalha entre público e cinema

Cannes é o berço da cinefilia sofisticada… mas também um dos maiores palcos de polémica cinematográfica do mundo. Todos os anos, há filmes que fazem o público levantar-se para aplaudir durante dez minutos — ou sair a meio, encolhido de desconforto. Eddington, de Ari Aster, é só o mais recente exemplo de uma longa tradição de cinema que arrisca, que provoca — e que muitas vezes divide.

ver também: 🧨 Eddington Divide Cannes — Mas Faz Joaquin Phoenix Chorar com Ovação de Pé

Aqui ficam 7 filmes que incendiaram o Festival de Cannes, pelas melhores (ou piores) razões:


🎞️ Irreversível(2002), de Gaspar Noé

O filme começa ao contrário e contém uma das cenas mais violentas e perturbadoras de sempre. Protagonizado por Monica Bellucci e Vincent Cassel, Irreversível levou centenas de pessoas a abandonar a sala. Gritos, desmaios e protestos marcaram a sessão.


Está disponível para streaming no Filmin e para aluguer no Prime Video

🎞️ The House That Jack Built (2018), de Lars von Trier

Depois de anos banido de Cannes, Von Trier regressou… e trouxe consigo um serial killer que decapita, tortura e ri-se disso tudo. Algumas pessoas saíram a meio em protesto. Outras ficaram… para aplaudir de pé. Cannes puro.

🎞️ 

The Neon Demon (2016), de Nicolas Winding Refn

Estética obsessiva, canibalismo metafórico e a vacuidade do mundo da moda. Refn, que já dividira opiniões com Only God Forgives, levou Cannes ao limite com esta fábula sombria onde Elle Fanning brilha… e sangra.

🎞️ Titane (2021), de Julia Ducournau

Uma mulher engravida de um automóvel. E isto é só o começo. Titane levou a Palma de Ouro, mas houve quem saísse em choque. Outros viram nela uma revolução estética, brutal e corporal. Amor ou ódio, não há meio-termo.

🎞️Enter the Void (2009), de Gaspar Noé

Sim, ele de novo. Uma viagem psicadélica pela vida e morte em Tóquio, do ponto de vista de uma alma fora do corpo. Imagens estroboscópicas, câmaras flutuantes e um público a sair zonado — literal e emocionalmente.

🎞️ Holy Motors (2012), de Leos Carax

Denis Lavant muda de personagem como quem muda de camisa — de banqueiro a mendigo, de criatura CGI a assassino. Um exercício surrealista, enigmático, que deixou críticos maravilhados… e espectadores a perguntar “o que é que eu acabei de ver?”.

🎞️ Climax (2018), de Gaspar Noé (sim, outra vez)

Começa como um musical… e acaba como um pesadelo ácido. Um grupo de bailarinos numa festa que descamba em terror colectivo. Foi aplaudido, vaiado e, claro, abandonado por alguns.


Eddington está em boa companhia

Ari Aster junta-se agora a este panteão de realizadores que não jogam pelo seguro. Com Eddington, trouxe para Cannes uma mistura explosiva de sátira política, drama social e estética de western contemporâneo. E como todos os anteriores, foi aplaudido de pé… e também abandonado a meio.

Porque no fim, é isso que faz de Cannes o que é: um festival onde o cinema é levado até ao limite, onde os cineastas ousam — e onde o público responde, sem filtros.

ver também :