“O Sorriso de Afonso”: João Pedro Rodrigues Leva Novo Projeto ao Mercado de Veneza e Aborda o 25 de Abril com Olhar Íntimo e Revolucionário

🎬 Depois de ter agitado Cannes com Fogo-Fátuo, João Pedro Rodrigues prepara-se para voltar ao centro do debate cinematográfico europeu com O Sorriso de Afonso, o seu mais recente projecto de longa-metragem. O filme estará em destaque no mercado de financiamento do Festival de Veneza, entre 29 e 31 de agosto, num espaço reservado a obras em fase final de desenvolvimento que prometem marcar o futuro do cinema internacional.

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Ao lado de mais 66 projectos oriundos de todo o mundo — entre ficções e documentários —, O Sorriso de Afonso será apresentado a potenciais financiadores, distribuidores e parceiros de coprodução. A obra, produzida pela portuguesa Terratreme Filmes, conta com coprodução italiana e luxemburguesa e já reúne apoios do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema (cash rebate), e ainda do Fundo de Cinema do Luxemburgo.

Uma Revolução por Contar: 25 de Abril, Adolescência e Desejo

Segundo palavras do próprio realizador, O Sorriso de Afonso será “a história de um adolescente que descobre a sexualidade durante o período da revolução do 25 de Abril”. O filme propõe-se a revisitar um momento-charneira da história portuguesa, não a partir do discurso político ou da historiografia institucional, mas através de um prisma íntimo, afectivo e profundamente humano.

Em entrevista à Lusa em 2022, João Pedro Rodrigues sublinhou: “A mim apetece-me falar sobre o nosso passado recente. Discute-se pouco. Na ficção, temos dificuldade em voltar ao nosso passado presente.” E reforçou a urgência do olhar queer sobre a Revolução: “Logo após o 25 de Abril, surgiu um grupo de trabalho homossexual que publicou um manifesto no Diário de Lisboa… E veio o Galvão de Melo à televisão dizer que a revolução não foi feita para prostitutas e homossexuais.”

É este tipo de tensão — entre a promessa de liberdade e os limites dessa liberdade — que o filme se propõe a explorar. Porque se o 25 de Abril simbolizou, para muitos, o fim da repressão, para outros continuou a haver exclusão, silenciamento e marginalização. A homossexualidade só seria legalizada em Portugal já na década de 1980.

João Pedro Rodrigues: Um Olhar Singular sobre o Desejo e a História

O percurso de João Pedro Rodrigues é marcado por uma coerência estética e temática rara. Desde O Fantasma (2000), passando por Odete (2005), A Última Vez Que Vi Macau (2012), até ao provocador Fogo-Fátuo (2022), o realizador tem vindo a construir uma obra onde o corpo, o desejo e a identidade são explorados com irreverência, subtileza e uma vontade permanente de desconstruir convenções narrativas e sociais.

Com O Sorriso de Afonso, tudo indica que Rodrigues continuará a provocar o espectador — não no sentido gratuito da provocação, mas enquanto gesto político e estético de libertação. Regressar ao 25 de Abril é também revisitar os seus não-ditos, os seus paradoxos, as vozes que ficaram fora da narrativa oficial.

Veneza e o Cinema Português: Uma Presença em Expansão

Para além de O Sorriso de Afonso, o mercado de financiamento de Veneza contará com outros dois projectos com participação portuguesa: Torn Heart, do realizador brasileiro Helvécio Marins Jr. (coproduzido com Brasil, Alemanha e Portugal), e o documentário The Mammoths That Escaped the Kingdom of Erlik Khan, da realizadora macedónia Tamara Kotevska, com coprodução entre Portugal, Dinamarca, Reino Unido e Macedónia do Norte.

Estes projectos revelam uma presença cada vez mais activa de Portugal no tecido internacional da produção cinematográfica. O apoio institucional, aliado à criatividade e ao risco autoral, tem permitido ao cinema português marcar posição não apenas em festivais, mas também nos mercados e bastidores onde se define o futuro da sétima arte.

Um Sorriso à Espera da Liberdade

Ainda sem data de estreia anunciada, O Sorriso de Afonso promete ser mais do que um filme sobre a juventude ou a revolução: será, provavelmente, uma revisitação do Portugal pós-25 de Abril à luz de corpos e desejos que a história oficial preferiu ignorar.

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Num tempo em que o cinema se torna cada vez mais necessário como espaço de memória, crítica e afirmação de identidades, a nova obra de João Pedro Rodrigues poderá ser um marco. Um sorriso, sim — mas também um gesto de resistência.

Festival Queer Lisboa Arranca com “Baby” de Marcelo Caetano e uma Programação de Cinema de Urgência

O Festival Queer Lisboa começa hoje, 23 de setembro, com a exibição do filme Baby, do realizador brasileiro Marcelo Caetano, abrindo um certame que se estende até ao dia 28 de setembro. Este ano, o festival convida o público a refletir sobre temas como as assimetrias sociais, os conflitos no mundo, e um cinema que se impõe como urgente e necessário.

“Baby”: Amor, Família e Marginalidade no Centro de São Paulo

O filme Baby, que valeu ao ator Ricardo Teodoro o prémio de Revelação na Semana da Crítica em Cannes, narra uma história de amor, família e perda no cenário das margens da sociedade no centro de São Paulo. A obra de Marcelo Caetano é um retrato sensível das dificuldades de viver à margem, capturando a complexidade das relações humanas num contexto urbano marcado pela desigualdade social. Esta estreia promete dar o tom para o que será uma semana intensa de cinema que desafia convenções e expõe realidades por vezes invisíveis.

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Cinema Português em Competição

Nas várias secções competitivas do Queer Lisboa, algumas produções portuguesas também terão lugar de destaque. Entre elas, As Minhas Sensações São Tudo o que Tenho para Oferecer, de Isadora Neves Marques, e Seu Nome Era Gisberta, de Sérgio Galvão Roxo, que abordam questões pessoais e políticas ligadas à identidade e à luta pela aceitação. Outra produção a ter em conta é Kiss Your Hand Madame, uma coprodução entre Portugal, Hungria e Bélgica, dirigida por Jeremy Luke Bolatag.

Estas obras, todas com um forte cunho autoral e temáticas que dialogam diretamente com o público LGBTQI+, serão acompanhadas com grande expectativa, reforçando a importância do festival para dar visibilidade a novas vozes no cinema queer português.

Panorama e Cinema Internacional: Elliot Page e Peaches em Destaque

Na secção Panorama, o festival destaca o filme Close to You, coescrito e protagonizado por Elliot Page, que continua a afirmar-se como uma das mais importantes figuras trans do cinema contemporâneo. O filme, realizado por Dominic Savage, explora questões ligadas à identidade de género e à complexidade das relações humanas, sendo um dos grandes destaques da programação internacional deste ano.

Outro destaque vai para o documentário Teaches of Peaches, de Philipp Fussenegger e Judy Landkammer, que traça o percurso artístico da icónica performer canadiana Peaches, famosa pelas suas atuações provocadoras e inovadoras na música eletrónica.

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Resistência Queer: Um Foco na Luta em Contextos de Conflito

Este ano, o Queer Lisboa tem como tema central a “Resistência Queer”, focando-se nas experiências das comunidades LGBTQI+ em territórios sob conflito ou governados por regimes autoritários, como o Kosovo, a Palestina, o Chipre, a Ucrânia e a Hungria. O festival pretende dar voz àquelas populações que vivem diariamente sob a repressão e que continuam a lutar pelos seus direitos num cenário de constante perigo.

Entre as obras que integram este foco, destaca-se Foggy: Palestine Solidarity Cinema & The Archive, uma série de curtas-metragens que exploram o tema da solidariedade com a Palestina, através das lentes de cineastas como Mike Hoolboom e Amy Gottlieb.

Encerramento com “Call Me Agnes” e Festival Queer Porto

O filme de encerramento do Queer Lisboa será Call Me Agnes, uma produção neerlandesa de Daniel Donato. Esta obra cruza elementos de documentário e ficção para contar a história de Agnes Geneva, uma mulher trans da Indonésia, explorando temas de identidade, resistência e transformação.

O festival não termina em Lisboa. No próximo mês, de 8 a 12 de outubro, acontecerá o Queer Porto, que celebrará a sua 10ª edição com programação a decorrer em espaços emblemáticos da cidade, como o Batalha Centro de Cinema, Passos Manuel e a Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto.

O Cinema Queer como Voz de Resistência e Reflexão Social

O Queer Lisboa volta a afirmar-se como um espaço privilegiado para a reflexão e a celebração do cinema queer, dando palco a produções que não só exploram questões de identidade de género e orientação sexual, mas que também abordam as lutas e resistências das comunidades LGBTQI+ em várias partes do mundo. O festival continua a ser uma referência no panorama cultural português e internacional, trazendo para o grande ecrã histórias que merecem ser ouvidas e vistas.