Um filme pode travar uma carreira? O caso singular de Dane DeHaan em Hollywood

Quando o talento não chega para sobreviver a um grande desaire

Hollywood constrói estrelas com a mesma rapidez com que as deixa cair no esquecimento. No meio dessa lógica implacável, há carreiras que parecem descarrilar não por falta de talento, mas por uma única decisão mal calculada. O percurso de Dane DeHaan é um dos exemplos mais discutidos da última década: um actor elogiado pela crítica, associado a projectos de prestígio, cuja progressão sofreu um abrandamento evidente após protagonizar um dos filmes mais problemáticos da ficção científica moderna.

E o mais curioso é que tudo indicava exactamente o contrário.

Uma ascensão sólida e elogiada pela crítica

Dane DeHaan chamou a atenção do grande público com Chronicle, um sucesso inesperado de bilheteira que transformou um orçamento modesto num fenómeno global. O seu desempenho foi amplamente elogiado pela intensidade emocional e pela complexidade psicológica que trouxe à personagem — algo pouco comum em produções do género.

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Esse reconhecimento confirmou-se rapidamente com The Place Beyond the Pines e Kill Your Darlings, onde DeHaan provou ser particularmente eficaz a interpretar figuras inquietas, contraditórias e emocionalmente instáveis. Mesmo inserido num grande franchise como The Amazing Spider-Man 2, a sua interpretação destacou-se positivamente num filme que, no seu conjunto, dividiu público e crítica.

À entrada de 2017, parecia apenas uma questão de tempo até assumir, de forma definitiva, o estatuto de protagonista em produções de grande escala.

Valerian: ambição excessiva e consequências inesperadas

O ponto de viragem chegou com Valerian and the City of a Thousand Planets, superprodução de ficção científica realizada por Luc Besson. Visualmente deslumbrante e financeiramente ambiciosa, a adaptação prometia lançar uma nova saga cinematográfica.

O resultado ficou muito aquém do esperado. Apesar de não ter sido um desastre absoluto em termos de bilheteira, o filme revelou-se incapaz de justificar o investimento elevado e foi severamente criticado. A relação entre DeHaan e Cara Delevingne foi apontada como um dos principais problemas, com críticas recorrentes à ausência de empatia e credibilidade entre as personagens centrais.

Mais do que uma questão de talento, muitos analistas sublinharam que DeHaan não correspondia ao perfil clássico de herói aventureiro que o filme exigia. Uma leitura discutível, mas suficiente para marcar a sua imagem junto dos grandes estúdios.

Trabalho contínuo, mas longe do centro das atenções

Desde Valerian, Dane DeHaan deixou de ser uma presença regular em papéis principais de grandes produções. Ainda assim, nunca desapareceu do cinema. Em The Kid, voltou a receber elogios pela sua interpretação de Billy the Kid, contracenando com Ethan Hawke e Chris Pratt.

Mais recentemente, integrou o elenco de Oppenheimer, de Christopher Nolan, num papel secundário mas significativo. Um sinal claro de que o actor continua a ser respeitado no meio, mesmo que já não seja visto como aposta segura para liderar blockbusters.

Um percurso interrompido, não uma carreira perdida

O caso de Dane DeHaan ilustra bem uma realidade desconfortável do cinema americano: por vezes, um único projecto pode alterar profundamente a trajectória de um actor, independentemente do mérito demonstrado antes e depois. O talento mantém-se, o trabalho continua, mas a percepção da indústria muda — e isso basta para fechar algumas portas.

Resta saber se surgirá o filme certo para devolver DeHaan ao lugar que muitos acreditaram ser inevitável. Em Hollywood, nem sempre vence quem é melhor. Muitas vezes, vence quem escolhe o projecto certo no momento exacto 🎬

Ralph Fiennes: o actor que Hollywood admirou… mas nunca quis tornar confortável

Quando o prestígio se transforma num incómodo para o sistema

Hollywood gosta de talento. Gosta ainda mais de talento que possa ser embalado, promovido e consumido sem sobressaltos. O problema começa quando um actor se recusa a tornar o seu trabalho mais fácil de digerir. Ralph Fiennes tornou-se famoso precisamente por isso — e, de forma silenciosa, foi também penalizado por nunca ter querido ser “seguro”.

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Depois de Schindler’s List, nada voltou a ser igual. Fiennes não interpretou o mal como caricatura. A sua encarnação de Amon Göth foi fria, quotidiana, quase administrativa. Não havia teatralidade nem catarse. O horror surgia da normalidade. E isso expôs algo que a indústria prefere manter abstracto: a violência extrema não precisa de monstros exuberantes, apenas de permissão, rotina e autoridade.

A interpretação funcionou… demasiado bem.

O sucesso que estreitou possibilidades

Era suposto aquele papel abrir portas. Em vez disso, redefiniu Fiennes de uma forma desconfortável. Para os estúdios, deixou de ser apenas um actor capaz de revelar perigo. Passou a ser o perigo. As conversas de casting tornaram-se cautelosas. Surgiram descrições vagas e evasivas: “intenso”, “difícil de enquadrar”, “severo”. Não são adjectivos criativos — são sinais de alerta.

O contexto dos anos 90 é essencial para perceber o fenómeno. Hollywood aceitava personagens sombrias desde que viessem acompanhadas de charme, ironia ou redenção. A escuridão era tolerável se o público fosse tranquilizado no final. Fiennes recusou sempre essa mediação. Nunca tentou suavizar as personagens para garantir simpatia. Nunca explicou ao espectador que ele não era aquilo que estava a representar.

Escolhas que mantiveram o atrito moral

Nos anos seguintes, Fiennes fez exactamente o oposto do que o sistema esperava. Em vez de capitalizar a fama para entrar em territórios mais seguros, escolheu papéis que mantinham fricção ética: homens danificados, figuras de autoridade desconfortáveis, personagens sem arco de redenção.

Mesmo quando protagonizou The English Patient, filme que lhe valeu uma nomeação ao Óscar e um enorme sucesso crítico, havia ali uma melancolia irresolúvel, uma recusa em oferecer conforto emocional fácil. Não era um galã clássico, nem parecia interessado em sê-lo.

Recusou projectos que pediam simplificação, personagens que exigiam neutralizar essa aresta para serem mais acessíveis. Essa decisão teve um custo claro: o abrandamento da sua ascensão no exacto momento em que poderia ter sido empurrado para o estatuto de estrela-âncora de Hollywood.

Respeitado, mas nunca protegido

A resposta da indústria foi previsível. Ralph Fiennes passou a ser tratado com respeito — mas não com investimento. Admirado, mas raramente priorizado. Tornou-se o actor chamado quando era preciso desconforto, densidade, ambiguidade moral. Não quando era preciso continuidade, segurança ou franquias duradouras.

Aqui existe uma distinção fundamental em Hollywood: os pilares e os especialistas. Os pilares são protegidos, promovidos, mantidos visíveis. Os especialistas são utilizados quando convém. Fiennes foi colocado nesta segunda categoria.

Trabalhou sempre, sem interrupções. Mas permaneceu estranhamente periférico ao verdadeiro poder da indústria americana.

Autoridade sem concessões, mesmo fora do ecrã

Quando mais tarde passou para trás das câmaras, realizando filmes como Coriolanus, a reacção foi educada, contida, distante. O sistema não incentiva artistas que, depois de provarem que não se deixam domesticar enquanto actores, insistem ainda em controlo autoral.

Fiennes nunca foi rejeitado de forma explícita. Foi algo mais subtil — e talvez mais eficaz. Foi gerido.

O incómodo que Hollywood prefere conter

A verdade incómoda é esta: Hollywood aprecia interpretações que revelam verdades perturbadoras, mas afasta discretamente quem se recusa a ajudar o público a recuperar delas. Quando um actor insiste que a clareza deve continuar desconfortável, o sistema limita o seu alcance para que o impacto fique contido.

Ralph Fiennes nunca tornou o seu trabalho mais fácil de consumir. E, ao fazê-lo, manteve-o honesto. O preço foi não se tornar “seguro”. O ganho foi uma filmografia coerente, densa e profundamente respeitada — mesmo que nunca totalmente abraçada pelo centro do poder.

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Num cinema cada vez mais preocupado em não perturbar, Fiennes continua a ser uma presença rara: alguém que acredita que a verdade, quando bem filmada, não precisa de pedir desculpa 🎬