Há nomes que moldam gerações e há artistas que moldam pessoas — e Eddie Murphy é um desses casos raros. Para quem viveu os anos 80 e 90 com a televisão ligada, Eddie era omnipresente: 48 Hrs., Beverly Hills Cop, Trading Places, Coming to America, Saturday Night Live, a dobragem inconfundível em Shrek.
Era impossível não ser fã.
Ele era energia pura, velocidade cómica, irreverência, carisma — um fenómeno.
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Agora, com Being Eddie, a Netflix oferece a Murphy aquilo que já tinha oferecido a Stallone ou Martha Stewart: um palco descontraído, pessoal, quase caseiro, onde a lenda se senta a olhar para a sua própria vida com o humor e a serenidade de quem já viu tudo… e sobreviveu a tudo.

A mansão, a família, as memórias — e um Eddie Murphy muito “Eddie Murphy”
O documentário leva-nos a passear com Murphy pela sua mansão californiana, incluindo um teto retrátil digno de ficção científica. A câmara de Angus Wall apanha-o a fazer aquilo que sempre fez tão bem: observar, comentar, brincar, transformar o banal em comédia — até quando está simplesmente a ver Ridiculousness, que ele descreve com a naturalidade de quem compara MTV a Alejandro Jodorowsky.
De vez em quando, senta-se, abre revistas antigas, lembra os fatos de cabedal e aquela época em que parecia uma estrela rock… mas em modo comediante. O filme acompanha essa subida meteórica, muito antes dos 30 anos, quando Beverly Hills Cop o transformou num dos maiores nomes de Hollywood quase da noite para o dia. Era jovem demais para lidar com tanta atenção? Provavelmente. Mas Eddie, à sua maneira, tratou sempre a fama como se fosse mais uma personagem para representar.

Um legado contado por quem o seguiu: Chappelle, Rock, Hart, Davidson
O documentário tem o cuidado de mostrar como Murphy não foi só um fenómeno — foi um fundador.
Dave Chappelle, Chris Rock, Kevin Hart e Pete Davidson surgem para explicar o impacto profundo que Eddie teve nas suas carreiras.
Ele abriu portas. Ele mostrou o que era possível. Ele ensinou, mesmo sem saber que ensinava.
E há algo comovente na forma como Murphy ouve essas homenagens.
Inclina ligeiramente a cabeça, sorri com aquele ar de surpresa quase tímida e parece, por vezes, um miúdo de Long Island que ainda se pergunta como chegou até ali.
As sombras — e o silêncio sobre elas
O documentário não esconde que parte do passado de Murphy não envelheceu bem. Os anos de Raw e Delirious deixaram piadas sobre mulheres e pessoas LGBT que hoje provocam desconforto, e a própria ausência prolongada de Eddie do stand-up parece carregar um pouco dessa vergonha implícita.
Mas Being Eddie escolhe não mergulhar nos temas mais polémicos.
Assim como também foge aos episódios tensos com John Landis, apesar da presença surpreendente do realizador.
É uma biografia carinhosa, quase uma carta de amor — e, consciente ou não, muito pouco interessada em desconstruir o mito.
A morte como presença constante — e um Eddie feliz mesmo assim
Há algo discreto mas pesado no documentário: a perda.
Murphy fala de quem teve de enterrar, de quem partiu cedo demais, de quem o inspirou e desapareceu — Belushi, Robin Williams, Michael, Prince, Whitney.
A aparição do irmão Charlie Murphy, falecido em 2017, é especialmente tocante.
E, mesmo assim, Eddie recusa qualquer amargura.
Para ele, viver continua a ser uma espécie de bênção cómica.
O homem que outrora varria palcos como um furacão agora caminha devagar pela casa, rodeado da família, absolutamente em paz.
A sua aparição em SNL em 2019 encerra o documentário com a energia de alguém que regressa não para provar nada, mas porque ainda se diverte a fazer isto.
O Eddie de ontem, o Eddie de hoje — e o Eddie que sempre foi nosso
Para quem cresceu com ele, Being Eddie é um reencontro caloroso com uma lenda que marcou infâncias, adolescências e o próprio ADN da comédia moderna.
É ver o miúdo magricela de Nova Iorque tornar-se um homem maduro, sábio, tranquilo — e ainda assim incrivelmente engraçado.
E para quem, como tantos de nós, passou os anos 80 e 90 a idolatrar Eddie Murphy, este documentário funciona quase como um abraço:
uma celebração de tudo aquilo que ele nos deu, e da forma como continua — sem pressão, sem pressa — a ser um dos talentos mais únicos do cinema.
