“Maria Schneider”: O Filme Que Finalmente Dá Voz à Atriz Silenciada por Hollywood e Pela História

A obra de Jessica Palud expõe o trauma por trás de “O Último Tango em Paris” e devolve humanidade a uma atriz marcada por um sistema que nunca a protegeu.

A estreia de “Maria Schneider” no TVCine Edition, no sábado, 22 de novembro, às 22h00, representa mais do que a chegada de um filme biográfico à televisão portuguesa. É um acerto de contas histórico. Uma reabilitação. Um gesto cinematográfico que procura recuperar a dignidade de uma atriz cuja carreira — e vida — foram brutalmente moldadas por um momento de abuso no set de um dos filmes mais falados da década de 1970.

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Baseado no livro My Cousin Maria Schneider de Vanessa Schneider, e realizado por Jessica Palud, o filme reúne peças que durante décadas estiveram espalhadas, encobertas ou ignoradas. A protagonista, interpretada por Anamaria Vartolomei, surge não como a “jovem polémica” que a imprensa reduziu em 1972, mas como aquilo que realmente era: uma atriz de 19 anos, talentosa, vulnerável e completamente desprotegida perante dois gigantes do cinema — Marlon Brando e Bernardo Bertolucci — que decidiram, à revelia, filmar uma cena de violação que não estava no guião.

A promessa que se tornou pesadelo

O texto do TVCine recorda como Maria, filha de um ator reconhecido, acreditava estar a dar o passo decisivo na carreira ao ser escolhida para coprotagonizar “O Último Tango em Paris”  .

Mas o sonho transforma-se rapidamente. O filme revela, com precisão emocional, como aquela famosa cena — repetida, discutida, analisada ao longo de décadas — foi, acima de tudo, uma violação do consentimento da atriz, filmada sem que ela soubesse o que iria acontecer.

A consequência?

Um trauma duradouro, uma carreira sabotada pela própria obra que deveria tê-la lançado e uma mulher que passou anos a tentar reescrever a própria narrativa enquanto o mundo a via apenas através de um papel que não escolheu.

Jessica Palud reconstrói a humanidade que o cinema lhe tirou

A realização de Palud recusa o voyeurismo e concentra-se em Maria — nos seus silêncios, nas suas feridas, na força que tentava manter num meio dominado por homens que ditavam não apenas o que ela fazia em cena, mas também como era vista fora dela.

O impacto emocional e profissional está lá: a manipulação nos bastidores, o julgamento público, o rótulo que nunca a largou, a precariedade emocional póstuma de uma atriz que procurava uma oportunidade real de mostrar talento, e não apenas resistir ao que lhe tinham feito.

Matt Dillon interpreta Brando, e Giuseppe Maggio interpreta Bertolucci — numa reconstrução que não tenta suavizar poder, influência nem culpa. O objetivo é claro: devolver agência a Maria, colocando-a no centro da história que, durante demasiado tempo, pertenceu a outros.

Não é apenas um biopic — é um retrato tardio, íntimo e necessário

“Maria Schneider” foi apresentado em Cannes em 2024 e rapidamente gerou discussão: sobre ética, sobre poder, sobre memória, sobre como o cinema trata (e trai) as suas próprias mulheres.

A narrativa não transforma Maria em mártir nem em símbolo — mostra-a como pessoa, com contradições, sonhos, fragilidades e uma carreira que poderia ter sido outra se o sistema não tivesse falhado tão profundamente.

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O filme é uma homenagem, mas também um alerta.

É uma tentativa de reparar, com arte, aquilo que a máquina do cinema destruiu com descuido.

E é, por tudo isso, uma estreia incontornável.

“Maria Schneider” estreia sábado, 22 de novembro, às 22h00, no TVCine Edition e no TVCine+.

A Cena Mais Infame da História do Cinema: O Calvário de Maria Schneider em Último Tango em Paris

🎬 É uma das imagens mais perturbadoras e controversas da história do cinema: uma jovem de 19 anos, vulnerável e em lágrimas reais, numa cena de violação simulada que não constava do guião original. Falamos, claro, da infame “cena da manteiga” de Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci, protagonizado por Marlon Brando e Maria Schneider. A verdade por detrás da rodagem daquela sequência — e o seu impacto profundo e devastador na vida da atriz — é agora contada no filme Maria, de Jessica Palud, com Anamaria Vartolomei no papel principal.

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Mais de cinquenta anos depois, o episódio continua a provocar choque, raiva e desconforto. Não apenas pelo que se vê no ecrã, mas porque a dor era real. Maria Schneider, em múltiplas entrevistas ao longo da sua vida, explicou como foi traída pela equipa do filme, em especial por Bertolucci e Brando. A cena foi decidida entre os dois homens e filmada sem o seu consentimento total. O resultado? Uma atuação extraordinária, mas à custa de um trauma profundo.

“Senti-me violada, tanto pelo Marlon como pelo Bertolucci”

Maria Schneider, que morreu em 2011 vítima de cancro, falou abertamente da sua experiência: “Aquela cena não estava no guião. Foi ideia do Marlon. Só me disseram no dia, e eu senti-me humilhada, violada, emocionalmente devastada.” Ela acrescentou que chorava lágrimas verdadeiras durante a filmagem e que Brando não se desculpou nem a confortou após a cena. Bertolucci, por sua vez, afirmou mais tarde que queria uma reacção “real” da jovem — não como atriz, mas como rapariga, o que agrava ainda mais o escândalo.

Em 2016, quando uma entrevista antiga do realizador veio a público, onde ele admitia com frieza que queria provocar humilhação real, a indignação reacendeu-se. Hollywood, à luz do movimento #MeToo, olhou para trás com horror. Último Tango em Paris, uma obra que durante décadas figurou entre os “clássicos arrojados”, tornou-se símbolo de abuso de poder em nome da arte.

Uma carreira marcada pelo trauma

Apesar do sucesso do filme — que arrecadou 36 milhões de dólares nos EUA e foi um fenómeno de bilheteira na Europa — Maria Schneider recebeu apenas 4 mil dólares. Foi ela quem apareceu nua. Foi ela quem chorou em cena. E foi também ela quem ficou marcada para sempre pela forma como foi tratada.

Durante anos, a atriz lutou contra o vício, depressão e ansiedade. Tentou suicidar-se. Foi internada. A sua carreira nunca recuperou. Embora tenha participado em filmes importantes como The Passenger (1975), ao lado de Jack Nicholson, Maria nunca deixou de ser conhecida como “a rapariga do Último Tango”.

A fama súbita também teve efeitos colaterais: “Fiquei famosa da noite para o dia. As pessoas pensavam que eu era como a personagem. Inventava histórias para os jornalistas, mas isso não era eu… Isso deixou-me louca”, confessou Schneider. A pressão mediática e os julgamentos morais arrastaram-na para uma espiral de autodestruição.

Um novo olhar sobre um velho escândalo

O novo filme Maria, realizado por Jessica Palud e protagonizado por Anamaria Vartolomei e Matt Dillon (como Marlon Brando), pretende dar voz à mulher por trás da personagem. Com base no livro de Vanessa Schneider, prima da atriz, a longa-metragem apresenta um retrato comovente da jovem Maria — filha ilegítima de um ator francês, abandonada pelos pais e, mais tarde, abandonada também pela indústria que a explorou.

Vartolomei, que recria a cena da manteiga no filme, disse em entrevista à BBC que chorou durante a filmagem. “Senti a violência daquilo. A violência física e emocional. A Maria estava sozinha. Não tinha ninguém do seu lado. Só pessoas a observarem, a filmarem… e a não fazerem nada.”

Segundo a realizadora, Maria não pretende condenar com raiva, mas sim expor a estrutura que permitiu este tipo de abusos. “Não quis julgar, mas mostrar o sistema. Há ainda muito trabalho a fazer, mas uma cena como aquela já não aconteceria hoje. E isso é um sinal de mudança.”

Uma herança a reavaliar

O debate em torno de Último Tango em Paris levanta questões mais profundas sobre o cânone cinematográfico e a forma como idolatramos certos filmes — e realizadores — ignorando as consequências para os intérpretes. Como disse a crítica Anna Smith: “Há muito tempo que acredito que o cânone dos grandes filmes precisa de ser reexaminado, porque vem de um lugar profundamente patriarcal.”

Hoje, muitos espectadores — e instituições culturais — olham para Último Tango com outra lente. Não é uma questão de apagar o passado, mas de o compreender com consciência. E de dar finalmente voz àquelas — como Maria Schneider — que, durante demasiado tempo, foram silenciadas.

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Onde ver o filme e o documentário sobre Maria Schneider:

  • Último Tango em Paris encontra-se disponível em edições físicas (DVD/Blu-ray) e pontualmente em serviços como MUBI ou Filmin.
  • O filme Maria ainda não tem data de estreia em Portugal, mas deverá integrar festivais europeus nos próximos meses.
  • O livro de Vanessa Schneider encontra-se traduzido em francês e pode ser encomendado online.

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Cinemateca Francesa Cancela Exibição de “O Último Tango em Paris” Após Protestos e Preocupações com Segurança

A Cinemateca Francesa tomou a decisão controversa de cancelar a exibição de O Último Tango em Paris (1972), uma obra icónica mas também profundamente polémica. O filme, realizado por Bernardo Bertolucci e protagonizado por Marlon Brando e Maria Schneider, estava agendado para ser exibido a 15 de dezembro como parte de uma retrospetiva dedicada a Brando. Contudo, protestos de associações feministas e preocupações de segurança levaram à suspensão da sessão, que incluiria também um debate sobre as controvérsias em torno da produção.

Uma Decisão Marcada por Protestos e Controvérsia

A cena mais polémica do filme — uma sequência de violação simulada, gravada sem o consentimento prévio de Maria Schneider — tem sido amplamente criticada ao longo dos anos, especialmente após o surgimento do movimento #MeToo. Schneider, que tinha apenas 19 anos na altura das filmagens, revelou mais tarde que a cena foi planeada pelo realizador e por Brando sem o seu conhecimento. “Eu senti-me violada, tanto por Marlon como por Bertolucci”, afirmou Schneider numa entrevista antes de falecer em 2011.

Associações feministas, atrizes e figuras públicas apelaram à Cinemateca para cancelar ou, pelo menos, contextualizar a exibição do filme, denunciando a falta de respeito para com Schneider. Judith Godrèche, uma figura de destaque do movimento #MeToo em França, criticou duramente a instituição, apelando à inclusão de uma mediação que abordasse o trauma vivido pela atriz.

A Cinemateca e a Responsabilidade de Contextualizar

Inicialmente, a Cinemateca planeava acompanhar a exibição de O Último Tango em Paris com um debate sobre as questões éticas e sociais que o filme levanta. Contudo, Frédéric Bonnaud, diretor da Cinemateca, anunciou o cancelamento da sessão numa declaração oficial, citando preocupações de segurança. “Somos uma cinemateca, não um acampamento entrincheirado”, afirmou, referindo-se à crescente hostilidade e à potencial ameaça à segurança dos funcionários e do público.

A decisão surge numa altura sensível, em que o julgamento de Christophe Ruggia, acusado de agressão sexual à atriz Adèle Haenel quando esta era menor, está em andamento, reacendendo debates sobre a violência e o abuso no meio cinematográfico.

O Legado Polémico de O Último Tango em Paris

Lançado em 1972, O Último Tango em Paris foi imediatamente recebido com reações extremas, desde aclamação como obra-prima artística até repúdio devido à sua representação explícita de sexualidade e violência. A cena em questão levou a que o filme fosse classificado como pornográfico e condenado por diversas instituições, incluindo o Vaticano. Décadas depois, a sequência tornou-se um símbolo das práticas abusivas de algumas produções cinematográficas.

Jessica Chastain, uma das figuras de destaque do movimento #MeToo, criticou o filme em 2017: “Ver uma jovem de 19 anos a ser violada por um homem de 48 anos e saber que isso foi planeado deixa-me doente.” Estas palavras refletem um sentimento generalizado de que as práticas de rodagem da época muitas vezes ignoravam os direitos e a dignidade das mulheres.

A Reação da Indústria e o Debate Contínuo

A Cinemateca Francesa já tinha enfrentado situações semelhantes no passado. Em 2017, cancelou uma retrospetiva dedicada a Jean-Claude Brisseau, condenado por assédio sexual. Desta vez, a instituição encontrou-se novamente no centro de uma tempestade mediática, com críticos divididos entre a defesa da liberdade de expressão artística e a necessidade de abordar a violência histórica contra mulheres no cinema.

Por um lado, sindicatos como o SFA-CGT afirmaram que “filmar e transmitir violações continua a ser condenável”. Por outro, defensores da exibição do filme argumentaram que a obra deveria ser apresentada num contexto que permitisse a discussão informada sobre o seu impacto e significado histórico.

Conclusão

O cancelamento de O Último Tango em Paris na Cinemateca Francesa é mais do que uma decisão administrativa; é um reflexo das tensões em curso na indústria cinematográfica, onde a necessidade de reavaliar práticas passadas colide com a preservação do legado artístico. À medida que o cinema continua a enfrentar os desafios do movimento #MeToo, o caso deste filme serve como um lembrete de que, por vezes, a arte e a ética podem entrar em conflito de maneiras difíceis de resolver.

“Ryuichi Sakamoto: Opus” – O Adeus de um Mestre Estreia no TVCine

No dia 13 de setembro, às 22h, o canal TVCine Edition vai transmitir Ryuichi Sakamoto: Opus, um filme-concerto que marca a despedida do lendário compositor e músico japonês Ryuichi Sakamoto. Esta produção intimista apresenta a última atuação de Sakamoto, gravada no final de 2022, quando o artista reuniu as suas últimas forças para deixar ao mundo um derradeiro presente musical: ele e o seu piano, num espetáculo profundamente emotivo.

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Ao longo de cinco décadas, Ryuichi Sakamoto foi um dos músicos mais influentes do mundo, com uma carreira que abrangeu desde o seu sucesso como estrela pop com a Yellow Magic Orchestra até às suas colaborações com grandes realizadores de cinema, como Bernardo Bertolucci. O filme-concerto, com curadoria do próprio Sakamoto, apresenta vinte peças icónicas que contam, sem palavras, a história da sua vida e obra. A seleção percorre desde os seus primeiros sucessos até ao seu último álbum meditativo 12, oferecendo aos fãs uma última oportunidade de testemunhar o génio criativo do artista.

Filmado num espaço intimista, com a participação de colaboradores próximos e sob a direção de Neo Sora, filho de Sakamoto, o filme-concerto revela a alma do artista, consciente de que seria a sua última atuação. Ryuichi Sakamoto: Opus é um tributo minimalista e profundamente tocante, que reflete o estilo musical que marcou a carreira de Sakamoto, e é uma estreia imperdível para todos os amantes da música e do cinema.

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Antes da exibição de Opus, o canal TVCine Edition transmitirá às 20h20 o documentário Ryuichi Sakamoto: Coda, que oferece uma perspetiva aprofundada sobre a vida do compositor. Ambos os filmes estarão também disponíveis no TVCine+.