James Cameron sempre foi associado ao avanço tecnológico no cinema — pioneiro nos efeitos digitais, visionário no motion capture e defensor da fusão entre técnica e emoção. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, o realizador de Avatar é também um dos mais firmes opositores à possibilidade de a Inteligência Artificial substituir actores humanos.
Numa entrevista recente ao programa Sunday Morning, da CBS, Cameron não podia ter sido mais claro: a ideia de a IA gerar actores e interpretações completas através de prompts de texto é, para ele, “horrorizante”.
“Não estamos a substituir actores — estamos a celebrá-los”
Cameron recordou que, ainda durante o desenvolvimento do primeiro Avatar em 2005, circulavam rumores em Hollywood de que ele estaria a criar tecnologia para eliminar actores de carne e osso. A ironia, segundo o próprio, é que o processo de captura de performance utilizado pela saga Avatar depende profundamente da presença humana:
“Quando se percebe realmente o que estamos a fazer, vê-se que é uma celebração do momento actor–realizador.”
Para Cameron, o motor emocional de qualquer filme continua a ser o trabalho do actor — mesmo quando este é traduzido para corpos digitais ou mundos impossíveis.
A fronteira que Cameron recusa atravessar
Mas se o motion capture ainda parte da expressividade humana, o mesmo já não pode ser dito da IA generativa. E é precisamente aí que Cameron traça um limite absolutíssimo:
“Agora, no outro extremo do espectro, tens a IA generativa, onde se pode inventar uma personagem. Inventar um actor. Criar uma interpretação do zero com um prompt de texto. Não. Isso é horrorizante para mim. É o oposto. É exactamente aquilo que não estamos a fazer.”
Para o realizador, esta tecnologia ameaça aquilo que considera o núcleo do cinema: presença humana, intenção emocional e a relação íntima entre actor e câmara.
O caso Tilly Norwood e a reacção violenta da indústria
A discussão reacendeu recentemente com a apresentação de Tilly Norwood, uma performer criada inteiramente por IA e apresentada no Zurich Summit pela comediante e produtora Eline Van der Velden.
O anúncio — acompanhado pela revelação de que várias agências já tinham demonstrado interesse em representar esta “actriz digital” — provocou uma onda de indignação entre profissionais do sector.
Em entrevista à Variety, Van der Velden defendeu que a presença da IA no cinema é inevitável e que a transição será gradual:
“Acho que será uma progressão lenta. Em breve veremos efeitos criados com IA, planos de estabelecimento, imagens de segunda unidade. Depois, avançaremos para um filme totalmente feito em IA.”
Mais polémica ainda foi a sua convicção de que o público poderá nem perceber a diferença:
“Se pagarem ou não por um filme feito em IA não dependerá da tecnologia, mas da narrativa.”
Um futuro em disputa: cinema feito por pessoas ou por prompts?
É neste ponto que a tensão se torna evidente. Cameron vê a IA como uma ameaça directa ao trabalho humano e à integridade artística da representação. Depressa se opõe à ideia de que um actor digital, criado matematicamente, possa substituir a vulnerabilidade e imprevisibilidade de um intérprete real.
Van der Velden, por outro lado, defende um futuro onde a IA se tornará mais uma ferramenta — e talvez, eventualmente, um criador autónomo de cinema.
O debate está longe de terminado. E, tal como Cameron avisa, a batalha não é apenas tecnológica: é filosófica, ética e profundamente emocional. O que é uma interpretação? O que é um actor? E o que acontece ao cinema quando o humano deixa de estar no centro da imagem?
Cameron puxa o travão — e o resto da indústria terá de escolher um caminho
Num momento em que Hollywood enfrenta desafios laborais, greves e incertezas, as palavras de James Cameron tornam-se um aviso poderoso. Ele, que construiu algumas das mais avançadas formas de filmar rostos humanos, recusa-se a aceitar um futuro onde esses rostos deixam de pertencer a pessoas reais.
O mundo avança para a IA. Mas, para Cameron, o cinema só avança com humanidade.
