“Undone”: A Série de Ficção Científica Que a Prime Video Escondeu — e Que Merece Ser Redescoberta Já

No vasto mar de séries lançadas por plataformas de streaming, há títulos que brilham intensamente… mas apenas para quem teve a sorte de os encontrar. Undone, estreada em 2019 na Prime Video, é um desses casos raros: uma obra-prima discreta, experimental, emocionalmente devastadora e, ainda assim, profundamente divertida — e que inexplicavelmente passou ao lado do grande público.

Seis anos depois, vale a pena dizê-lo sem rodeios: Undone é uma das melhores séries de ficção científica do século. E continua a ser um dos segredos mais bem guardados da televisão moderna.

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Uma viagem no tempo — e ao interior de uma mente em fratura

Criada por Kate Purdy e Raphael Bob-Waksberg (a dupla por trás de BoJack Horseman), Undone segue Alma Winograd-Diaz, interpretada pela extraordinária Rosa Salazar, cuja vida muda radicalmente após um acidente de viação. A partir daí, Alma percebe que consegue deslocar-se livremente no tempo — e decide usar essa capacidade para investigar a misteriosa morte do pai, interpretado por Bob Odenkirk.

Mas ao contrário de muitas narrativas sobre viagens temporais, Undone não está interessada em paradoxos cósmicos, nem em batalhas épicas. O que a série faz é mais íntimo, mais arriscado e muito mais perturbador: mergulha-nos no caos da memória, da identidade, da dor e da culpa.

A ficção científica é apenas a superfície; o que está por baixo é puro drama humano.

Animação rotoscópica que parece um sonho vivo

Visualmente, Undone é uma experiência singular. Filmada com actores reais e posteriormente animada em rotoscopia — uma técnica que confere aos movimentos um realismo fantasmagórico — a série situa-se num espaço entre o real e o impossível.

A comparação mais directa talvez seja Waking Life ou A Scanner Darkly de Richard Linklater. Mas mesmo estas referências não chegam para descrever o efeito de ver Alma cruzar portas que se transformam em memórias, mergulhar em pinturas abertas como portais e atravessar o passado como quem percorre uma casa familiar.

É como assistir a um sonho lúcido — um que nos quer dizer algo urgente.

Uma interpretação monumental de Rosa Salazar

É impossível falar de Undone sem sublinhar a performance de Rosa Salazar, que oferece um equilíbrio improvável entre humor, fragilidade, ironia e desespero absoluto. A série exige-lhe que mantenha os pés no chão enquanto a realidade desmorona ao seu redor — e ela fá-lo com uma autenticidade quase dolorosa.

Bob Odenkirk, por sua vez, dá ao pai de Alma um magnetismo ambíguo: protector? Manipulador? Mentor? Fantasma? Tudo ao mesmo tempo.

O elenco secundário (Daveed Diggs, Jeanne Tripplehorn, Angelique Cabral, John Corbett) completa uma série onde cada personagem importa — porque cada relação é uma peça do puzzle emocional de Alma.

O que torna “Undone” tão especial?

Porque é que esta série, apesar dos elogios, não encontrou o público que merecia? As razões podem ser várias — estética exigente, natureza introspectiva, marketing discreto — mas o essencial mantém-se: Undone continua a ser uma das experiências mais originais alguma vez produzidas pela Prime Video.

É profunda sem ser pretensiosa.

É experimental sem ser inacessível.

É surreal sem perder o coração.

E acima de tudo, é uma história sobre família, perdão e o modo como o tempo — real ou psicológico — molda quem somos.

Dois anos, duas temporadas, uma obra completa

Undone durou apenas duas temporadas. Para alguns, foi cancelada cedo demais; para outros, disse tudo o que tinha a dizer. O certo é que deixou uma marca indelével: uma série pequena no formato, mas gigante na ambição.

E se há 6 anos muitos a ignoraram, hoje já não há desculpa. Está ali, inteira, pronta a ser descoberta — e a mexer connosco.

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Porque poucas séries conseguem, como esta, dobrar o tempo e fazer-nos sentir que o passado, afinal, nunca passou