Rodagem de “A Odisseia” em território disputado levanta críticas de activistas e cineastas sarauís
Christopher Nolan, o prestigiado realizador que dominou a temporada de prémios com Oppenheimer, está agora a enfrentar uma onda de críticas por ter escolhido o Saara Ocidental — território em larga medida controlado por Marrocos — como cenário para o seu novo filme, A Odisseia. O alerta foi lançado pelo Festival Internacional de Cinema do Saara (FiSahara), que pede publicamente ao cineasta que não volte a filmar na região e que exclua as imagens já captadas.
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O apelo foi feito por Maria Carrion, directora executiva do festival, numa declaração à agência AFP: “Pedimos a Nolan que se solidarize com o povo sarauí.” Segundo Carrion, ao filmar em Dakhla, Nolan corre o risco de contribuir para a legitimação da ocupação marroquina do Saara Ocidental, território que as Nações Unidas consideram “não autónomo” e onde o conflito entre Marrocos e a Frente Polisário se arrasta há mais de 50 anos.
Uma produção de estrelas, uma escolha polémica
Com estreia marcada para 2026, A Odisseia promete ser mais uma superprodução com assinatura de Nolan, contando com um elenco estelar que inclui Matt Damon, Zendaya, Tom Holland, Robert Pattinson, Lupita Nyong’o e Charlize Theron. A escolha de Dakhla como uma das localizações foi elogiada pelas autoridades marroquinas, com o ministro da Cultura, Mehdi Bensaid, a garantir ao site Médias 24 que a rodagem “dará a Dakhla maior visibilidade cinematográfica como destino de filmagens”.
Mas essa “visibilidade” não é vista com bons olhos pelo FiSahara. “Ter Nolan a filmar numa duna de areia — quando há tantas outras dunas pelo mundo fora que não se situam em território ocupado — equivaleu a reforçar o colonialismo no Saara Ocidental”, afirmou Carrion. O festival, que se realiza nos campos de refugiados sarauís na Argélia, tem uma forte componente activista e há anos denuncia a ocupação marroquina.
O apelo à consciência artística
O pedido mais incisivo do festival é que Nolan não utilize as imagens filmadas em Dakhla. Para Carrion, “ele não obteve a autorização dos sarauís para filmar ou usar essas imagens. Obteve a autorização de uma potência ocupante, o que não constitui um acordo genuíno.” A directora executiva acrescenta que acredita que Nolan e a sua equipa não estavam devidamente informados sobre o contexto geopolítico da região.
Esta situação levanta uma vez mais o debate sobre a responsabilidade ética dos artistas e produtores de cinema na escolha das suas localizações. Quando um território está em disputa há décadas, ignorar a dimensão política da paisagem pode ter implicações sérias, mesmo para um realizador tão respeitado como Nolan.
Território em disputa, história em aberto
O Saara Ocidental foi uma colónia espanhola até 1975. Desde então, Marrocos ocupa grande parte do território, enfrentando a resistência da Frente Polisário, que exige um referendo de autodeterminação com apoio da Argélia. A proposta de Rabat, por outro lado, passa por um plano de autonomia sob soberania marroquina — um impasse que se mantém há décadas e que tem dificultado qualquer resolução definitiva.
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A polémica em torno de Nolan expõe, mais uma vez, as tensões entre arte, indústria cinematográfica e geopolítica. Enquanto A Odisseia continua a ser um dos projectos mais aguardados dos próximos anos, a sua produção deixa agora uma sombra de debate ético que promete acompanhar a narrativa muito para lá do grande ecrã.
