
Numa altura em que o cinema de empatia, escuta e reflexão anda muitas vezes esquecido por entre explosões e universos partilhados, surge uma pequena pérola catalã que está a conquistar quem se atreve a parar para ouvir: Wolfgang. Realizado por Javier Ruiz Caldera, baseado no livro homónimo de Laia Aguilar, e protagonizado por Miki Esparbé, o filme é um verdadeiro acto de resistência cinematográfica: lento, sensível e profundamente humano.
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A história de um reencontro… e de muitas primeiras vezes
Wolfgang conta a história de um menino de 10 anos, pianista prodígio e no espectro do autismo, que acaba de perder a mãe. Forçado a viver com um pai que nunca conheceu — interpretado por Miki Esparbé —, Wolfgang entra num mundo novo, onde a ausência de palavras é tão ensurdecedora quanto as emoções contidas.
Para o actor, esta foi uma experiência transformadora. “É uma personagem perdida, emocionalmente desastrada. Não tem ferramentas para comunicar com uma criança, muito menos com uma como o Wolfgang”, diz Esparbé. E é aí que reside a beleza do arco narrativo: na descoberta mútua, na escuta, na tentativa e erro, no desconforto que se transforma, pouco a pouco, em relação.
Uma história de três gerações e o que fazemos com a dor
O filme é, também, uma reflexão sobre como diferentes gerações lidam com o luto e com as emoções: a avó (interpretada por Àngels Gonyalons) representa o silêncio dos tempos antigos, em que os problemas não existiam se não fossem ditos; o pai, uma geração em transição; e o filho, o espelho de uma geração que já nasceu a falar de tudo — e que, mesmo no silêncio, comunica com clareza desarmante.
Wolfgang, como personagem, ensina. Ensina ao pai, à avó, aos espectadores. E não só com palavras — também com música, com silêncio, com presença.
Um filme feito com cuidado, sensibilidade e muito talento
No papel de Wolfgang, o jovem Jordi Catalán faz uma estreia absolutamente desarmante. O cuidado nos bastidores foi exemplar: Claudia Costas, também actriz, acompanhou o jovem durante as filmagens, garantindo o conforto e a naturalidade das cenas. O resultado é visível no ecrã: uma actuação cheia de autenticidade e nuance.
Para além disso, Wolfgang tem também um tom meta-cinematográfico interessante: o pai é actor, e essa escolha narrativa permite momentos de humor e homenagem à profissão. O próprio filme inclui vários cameos do meio artístico catalão: J.A. Bayona, Carlos Cuevas, Dafnis Balduz, Jordi Oriol, entre outros.
Em catalão — como tem de ser
Para Miki Esparbé, fazer o filme em catalão não foi uma escolha — foi uma exigência natural. “É a língua do livro, da personagem, da emoção”, afirmou. E, mesmo com uma versão dobrada em castelhano (pelos próprios actores), a versão original é a que mais respira verdade.
A aposta em cinema feito na língua própria do território é, aliás, reflexo de um renascimento do cinema catalão. Depois de anos de cortes orçamentais, as ajudas voltaram e os filmes voltaram a ter fôlego. “Estamos de volta ao orçamento pré-pandemia”, diz o actor — e isso nota-se.
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Wolfgang não é apenas um filme comovente sobre a relação entre pai e filho. É uma ode à escuta, à lentidão, à empatia, e ao poder da arte (e da música) para nos reconectar com aquilo que mais importa. Um daqueles filmes que fica connosco — mesmo depois do silêncio.
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