José Filipe Costa estreia filme sobre os últimos dias de Salazar no Festival de Roterdão
O realizador José Filipe Costa estreia hoje Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Roterdão, levando ao grande ecrã uma narrativa ficcional que revisita um dos períodos mais enigmáticos da História recente de Portugal.
Este novo filme, protagonizado por Jorge Mota, Catarina Avelar e Guilherme Filipe, mergulha nas últimas semanas de vida de António de Oliveira Salazar, que, após sofrer uma hemorragia cerebral em 1968, continuou a viver convencido de que ainda governava Portugal.
A longa-metragem parte de factos históricos documentados e de relatos do médico pessoal do ditador, construindo uma ficção que expõe os paradoxos do poder, a teatralização da autoridade e as sombras persistentes do regime fascistaque marcou o país até ao 25 de Abril de 1974.
Uma farsa política nos bastidores do poder
Em Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, assistimos ao período final da vida do ditador, confinado ao Palácio de São Bento, onde a sua governanta Maria de Jesus (interpretada por Catarina Avelar) e o médico pessoal Eduardo Coelho(Guilherme Filipe) mantêm uma farsa monumental: fazem Salazar acreditar que continua no comando da nação, mesmo quando Marcelo Caetano já ocupava o cargo de Presidente do Conselho.
Esta manipulação, que pode parecer absurda à primeira vista, ilustra como o poder se sustenta através da ilusão e da obediência cega. Segundo o próprio realizador, esta história representa “uma bolha claustrofóbica”, onde personagens servem um líder já incapaz de governar, mas ainda visto como uma figura paternalista e inquestionável.
Costa destaca que a ficção se baseia em “muita imaginação”, mas parte de documentos históricos reais, nomeadamente as notas do médico pessoal de Salazar, que apenas vieram a público depois da queda do regime.
O fascismo das pequenas coisas: um retrato ainda atual?
Mais do que um retrato do passado, José Filipe Costa pretende refletir sobre as marcas que o autoritarismo deixou na sociedade portuguesa. O realizador alerta para a existência de um “fascismo das pequenas coisas”, que se mantém vivo em muitas instituições e no modo como os portugueses se relacionam entre si.
“Há um salazarismo que prevalece nas instituições, na academia, nas empresas, nas repartições públicas, no modo como nos relacionamos com os outros; é uma memória que ainda cá está”, refere Costa.
O filme não pretende apenas reconstituir um episódio histórico, mas explorar como certas dinâmicas de submissão, culto de personalidade e conservadorismo ainda ecoam nos dias de hoje.
Roterdão acolhe a estreia mundial
O Festival Internacional de Cinema de Roterdão recebe Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar na sua secção competitiva, com sessões programadas para os dias 4, 6 e 8 de fevereiro.
A escolha de um palco internacional para a estreia reflete o crescente interesse do cinema português em abordar a sua história recente com uma abordagem artística ousada. Filmes como Prazer, Camaradas! (2019) ou Linha Vermelha(2011), ambos de Costa, já haviam explorado temas como a Revolução dos Cravos e o conservadorismo social, e esta nova obra surge como um complemento essencial a essa reflexão cinematográfica.
Uma história que devia ser contada nas escolas
José Filipe Costa acredita que os últimos dias de Salazar deveriam ser um tema obrigatório no ensino secundário, para que as novas gerações compreendam melhor o culto de personalidade que envolveu o ditador.
“Diz-se que o fascismo português foi mais leve do que o italiano ou o alemão. Mas houve este pequeno fascismo insidioso, que se infiltrou no quotidiano e nas mentalidades”, alerta o realizador.
Com Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, o cinema português ganha mais um capítulo de revisitação crítica à História, mostrando que, mesmo após 50 anos do 25 de Abril, há questões que continuam a ser relevantes e urgentes.
O que esperar?
Se o filme seguir o padrão das obras anteriores de Costa, podemos esperar um drama psicológico denso, com uma abordagem cinematográfica que mistura realismo e simbolismo. A narrativa deve explorar os mecanismos de manipulação do poder, a decadência do autoritarismo e a inevitável erosão das figuras que parecem intocáveis.
Será um filme essencial para quem quer compreender não apenas o fim do Estado Novo, mas também as heranças invisíveis que persistem no presente.
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