Blade Runner, lançado em 1982, é hoje considerado um dos maiores clássicos de ficção científica, explorando temas de identidade, humanidade e o confronto entre homem e máquina. Inspirado na obra Do Androids Dream of Electric Sheep?de Philip K. Dick, o filme de Ridley Scott transformou-se num ícone cinematográfico, mas o seu desenvolvimento foi marcado por tensões criativas, decisões inesperadas e uma visão artística que nem sempre foi compreendida.

ver também : Tom Hanks Lamenta Saturação de Filmes de Super-Heróis e Apela a Novas Narrativas

A Aprovação de Philip K. Dick e a Ausência da Palavra “Android”

Philip K. Dick teve a oportunidade de ver apenas os primeiros 20 minutos do filme antes da sua morte, a 2 de março de 1982. No entanto, esses poucos minutos foram suficientes para impressioná-lo profundamente. Dick afirmou que Scott e a sua equipa tinham captado a essência da sua visão e que Blade Runner traduzia fielmente o seu mundo interior. Curiosamente, nem Scott nem o argumentista David Webb Peoples tinham lido o livro de Dick; apenas o argumentista original, Hampton Fancher, o conhecia bem. Peoples chegou a perguntar a Scott se deveria ler o livro, mas o realizador disse-lhe que não era necessário, confiando que o espírito da obra original estava presente no guião inicial de Fancher.

Uma das decisões mais interessantes foi a alteração do termo “android” para “replicant”. O termo “replicants” foi sugerido pela filha de Peoples, que estudava microbiologia e biologia molecular. Ao introduzir o conceito de replicação celular, a jovem inspirou o pai a criar um termo que soasse mais científico e menos cómico. Assim, “replicants” tornou-se um dos elementos mais distintivos do filme, separando Blade Runner de outras narrativas de ficção científica.

Um Set Marcado por Tensões e uma “Guerra das T-Shirts”

Apesar do sucesso artístico, o ambiente nos bastidores de Blade Runner estava longe de ser harmonioso. Ridley Scott, habituado a trabalhar com equipas britânicas, encontrou-se limitado pelas regras sindicais americanas que o impediam de trazer a sua própria equipa do Reino Unido e até mesmo de operar uma câmara. O choque cultural entre Scott e a equipa americana criou um ambiente tenso, com dias de gravação que frequentemente se estendiam por 13 horas e constantes discussões sobre as suas escolhas criativas. A maioria dos membros da equipa considerava Scott uma figura distante e perfeccionista, o que levou a uma elevada rotatividade de trabalhadores, tornando o ambiente de trabalho cada vez mais instável.

ver também : Michael Caine Elogia Tom Cruise como “Uma das Últimas Verdadeiras Estrelas de Cinema”

Um dos episódios mais caricatos, conhecido como “a guerra das t-shirts”, começou quando Scott mencionou numa entrevista britânica que preferia trabalhar com equipas inglesas, pois elas mostravam uma atitude de “sim, chefe” sem complicações. Esta declaração não foi bem recebida pela equipa americana, especialmente por Marvin G. Westmore, supervisor de maquilhagem, que decidiu reagir de forma irónica. Westmore mandou imprimir t-shirts com a frase “Yes gov’nor my ass!” na frente e mensagens como “Will Rogers nunca conheceu Ridley Scott” ou “You soar with eagles when you fly with turkeys” nas costas. Em resposta, Scott e alguns dos seus colaboradores próximos vestiram t-shirts com a frase “Xenophobia sucks” e usaram bonés com a palavra “Guv”. Scott explicou mais tarde que esta era uma tentativa de descontrair o ambiente e criar humor através do termo “xenophobia”, que ele esperava que a equipa tivesse de investigar para entender o seu significado. Este “truque” funcionou, aliviando brevemente a tensão.

Mudanças Contínuas e o Impacto Visual Inovador

Scott era conhecido por fazer alterações frequentes nos cenários e no enredo ao longo da produção, deixando a equipa exausta. Peoples, que foi chamado para fazer reescritas constantes, descobria que muitas das suas mudanças se tornavam obsoletas assim que eram entregues, devido a ajustes de última hora por parte do realizador. Apesar das dificuldades, a persistência de Scott na busca pela perfeição visual e narrativa resultou num dos filmes visualmente mais impressionantes da sua época.

Uma das contribuições visuais mais memoráveis foi o efeito “olhos brilhantes” dos replicants, alcançado através de uma técnica inovadora conhecida como “Processo Schüfftan”, inventada por Fritz Lang. O diretor de fotografia, Jordan Cronenweth, usou um espelho semiespelhado colocado num ângulo de 45 graus, refletindo luz diretamente nos olhos dos atores, criando o efeito de brilho que se tornou emblemático dos replicants e da atmosfera distópica de Blade Runner.

A Longa Jornada para o Reconhecimento

Embora hoje seja visto como um clássico intemporal, Blade Runner não teve uma receção calorosa na época do seu lançamento. O público e os críticos não estavam preparados para o estilo visual e narrativo sombrio e introspectivo que Scott propunha. O filme enfrentou críticas mistas e resultados de bilheteira modestos, mas, ao longo dos anos, foi ganhando o estatuto de obra-prima, sendo agora reverenciado por explorar temas profundos sobre a existência, a alma humana e a inteligência artificial.

Este legado é um testemunho da visão de Ridley Scott e da coragem de enfrentar o desafio de fazer um filme que rejeitava os tropos típicos de Hollywood, mergulhando o público num mundo onde as linhas entre homem e máquina se diluem. Blade Runner continua a ser uma referência não só pelo seu conteúdo, mas também pelos desafios e inovações que moldaram a sua criação.

Recommended Posts

No comment yet, add your voice below!


Add a Comment