
A atriz francesa Judith Godrèche voltou a posicionar-se como uma das vozes mais firmes do movimento #MeToo em França, depois da divulgação de um relatório parlamentar que descreve o panorama da violência moral, sexista e sexual no sector cultural francês como “sistémico, endémico e persistente”.
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Godrèche classificou as conclusões do inquérito como “chocantes” e “bastante assustadoras”, e apelou diretamente à classe política francesa para agir. Segundo a atriz, “mais ninguém pode dizer ‘não sabíamos’”.
Um relatório com 86 recomendações… e muitas feridas expostas
O documento é o resultado de seis meses de audiências levadas a cabo por uma comissão de inquérito da Assembleia Nacional Francesa, presidida pela deputada ecologista Sandrine Rousseau, também ela uma reconhecida ativista feminista. Foram ouvidas mais de 350 pessoas de áreas como o cinema, teatro e televisão.
O relatório recomenda 86 medidas que visam regular e proteger os trabalhadores da cultura, entre elas:
- Regras mais rígidas para castings
- Monitorização especial de menores em ambientes de filmagem
- Criação de canais de denúncia acessíveis e independentes
- Formação obrigatória para quem ocupa cargos de chefia artística
Rousseau não poupou palavras: o setor cultural francês é, nas suas palavras, uma “máquina de triturar talentos”.
“O cinema é uma grande família incestuosa” 
Numa entrevista à Franceinfo, Godrèche expressou frustração, mas não surpresa com o conteúdo do relatório:
“É impressionante e bastante assustador. Mas não estou surpreendida. Não esperava nada melhor.”
A atriz, que recentemente se tornou o rosto mais visível do #MeToo francês, sublinhou que o problema não está confinado ao cinema:
“As relações de poder e os abusos de poder são os mesmos que se encontram na Igreja, nas escolas, em todo o lado.”
Godrèche acusou publicamente o realizador Benoît Jacquot de violação, revelando que iniciou uma relação com ele quando tinha apenas 14 anos. Acusações semelhantes foram feitas contra Jacques Doillon, também realizador, o que levou à abertura de investigações judiciais distintas.
Uma luta que chegou ao coração do sistema 

Godrèche insiste que a responsabilidade deve recair sobre os que ocupam posições de poder nos sets de filmagem:
“As pessoas com mais poder têm de assumir a responsabilidade pelo sofrimento dos que têm menos.”
A atriz tem-se afirmado não apenas como uma voz corajosa, mas como uma força mobilizadora. Em fevereiro deste ano, emocionou o público francês com um discurso poderoso na cerimónia dos Césares (os Óscares do cinema francês), onde denunciou a cultura de silêncio e impunidade.
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Este relatório surge como um ponto de viragem potencial — mas Judith Godrèche deixa claro que não basta “recomendar”. É preciso agir, legislar e transformar o sistema. Ou, como ela diz, deixar de fingir que não sabíamos.
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