
O filme Sobreviventes, do realizador português José Barahona, prepara-se para chegar aos cinemas brasileiros no próximo 24 de abril, assinalando não apenas uma nova etapa de distribuição internacional, mas também um tributo emocionado ao cineasta, falecido em novembro do ano passado. A estreia no Brasil surge como uma celebração da sua visão e da ligação profunda que mantinha com a cultura brasileira.
Um naufrágio, um espelho do passado colonial
Baseado numa ideia de Barahona e com argumento coescrito por José Eduardo Agualusa, Sobreviventes parte da história de um naufrágio fictício para abordar as tensões raciais e culturais herdadas do colonialismo português. Os sobreviventes — brancos e negros — são forçados a conviver numa ilha deserta no Atlântico, onde as máscaras sociais caem e o essencial da condição humana vem ao de cima.
O filme, rodado em 2022 na costa portuguesa, inspira-se em parte no romance Nação Crioula, de Agualusa, e na enigmática figura de Fradique Mendes, personagem literária inventada por Eça de Queirós, aqui reinterpretada à luz de um olhar contemporâneo e africano.
“O mais interessante no filme é o facto de trazer um olhar africano”, destacou Agualusa.
“O Brasil é um país de matriz africana, mas conhece mal a África de hoje — e também a mais arcaica, de onde vieram muitos dos que ajudaram a moldar o Brasil.”
Um português mais brasileiro que muitos brasileiros
A estreia no Brasil é carregada de emoção. Como sublinhou o actor Paulo Azevedo:
“É uma homenagem ao Zé, esse português mais brasileiro que eu já conheci.”
Barahona foi um realizador que soube questionar criticamente o passado glorioso de Portugal, confrontando a narrativa dominante com os fantasmas do colonialismo. O seu cinema, feito com meios modestos mas com enorme ambição temática, refletia uma inquietação humanista e histórica.
A sua mulher e produtora, Carolina Dias, sublinha esse olhar crítico:
“Ele já questionava muito essa cultura e esse passado histórico português. Era muito crítico desse olhar glorioso que os portugueses têm em relação à história.”
A produção de Sobreviventes junta a portuguesa David & Golias (Fernando Vendrell e Luís Alvarães) à brasileira Refinaria Filmes, reforçando a vontade de estreitar os laços criativos entre Portugal e Brasil.
Um legado que sobrevive
O filme, que teve estreia comercial em Portugal em outubro de 2024, foi escolhido pela Academia Portuguesa de Cinema como candidato aos Prémios Ariel, no México — reforçando o seu percurso internacional e a relevância temática num tempo em que o passado colonial europeu continua a ser amplamente debatido.
Barahona, que também realizou obras como Nheengatu – A Língua da Amazónia e Estive em Lisboa e Lembrei de Você, deixa um legado marcado pelo interculturalismo, consciência crítica e empatia pelas narrativas marginalizadas.
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Sobreviventes não é apenas um filme sobre um naufrágio fictício. É, na verdade, um gesto cinematográfico de resgate da memória, da culpa e da identidade — e uma despedida digna de um realizador que sempre soube navegar por entre as correntes cruzadas da História.
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